Relacionamento

Quando um homem salva uma mulher, ele cobra o preço

12:21


Malcolm e Marie é um filme que acaba de estrear na Netflix e fala de um casal que lava a roupa suja, depois de certo evento. Provavelmente usarei o filme para escrever muitos textos ainda, visto que ele é “riquíssimo” em apontamentos sobre relacionamentos. Por agora vou me deter no que pode acontecer quando um homem salva uma mulher. 

No filme, Malcolm, um cineasta, acaba de lançar um filme que fala de uma mulher que lutava contra o vício em drogas. A história tinha como base a luta que sua esposa, Marie, venceu com a ajuda dele. A discussão sobre a relação se inicia logo após o lançamento do filme, quando Malcolm no seu discurso não cita Marie nos seus agradecimentos.

Para começar, é incrível o que podemos fazer com um relacionamento em 1 hora e meia, tempo do filme, já que ele se passa apenas nesse período pós lançamento do filme, no retorno do casal à casa. Podemos demonstrar um amor imenso e chegar a um ódio profundo em apenas 10 minutos, se ele já existir enclausurado. Quando Marie consegue expressar sua dor e raiva por não ter sido citada no discurso, após ver sua história revelada no filme, Malcolm começa a fazê-la duvidar de sua sanidade. Dá a entender que ela quem deveria agradecer-lhe por estar ao lado dele, após ele suportar situações vexatórias no período do vício e ajudá-la a sair do caos.

Isso me remeteu à pacientes que foram salvas por seus “homens” quando se uniram à eles levando dívidas financeiras, dores de abusos, discriminações familiares, filhos de outras relações, e até uma “simples” baixa autoestima. Num primeiro momento sentiram-se gratas por terem sido acolhidas, como se fosse um favor, e pouco a pouco se tornaram tripé para a ascensão de seus parceiros, que ao salvá-las estavam na verdade buscando sua própria redenção. 

Enquanto essas mulheres, assim como mostra o filme, rendem-lhes glórias e améns elas são mantidas, mas, se ousarem mostrar que já não são mais dependentes deles, podem encontrar as mais duras palavras e noutras vezes ações, tudo, para manterem-se no pódio do heroísmo. Não é incorreto dizer que ainda é esperado pela grande maioria das mulheres que um homem se porte como heroi, mas desconsideram que um ego muito rígido pode se transformar numa arma. 

No filme ela é atacada logo após mostrar à ele que já consegue perceber seu valor. Mas ele argumenta que quer que ela tenha uma vida para não mais depender da dele, só que ela é incapaz de controlar sua vida, diz ele. Quando na verdade ele a controla quando rouba sua história. O argumento dele é válido, mas é nesse momento, quando ela começa a ter voz que um homem que salvou uma mulher deve se mostrar feliz. É quando a endividada começa a produzir seu próprio dinheiro e fazer sucesso, a abusada e tímida começa a ousar nas atitudes, a com baixa autoestima melhora a ideia sobre si mesma, a que só oferecia começa a querer receber. Homens que as salvaram para ter sua própria redenção não ficarão satisfeitos com a evolução de suas parceiras e começarão a pisar-lhes para que voltem a posição anterior, normalmente jogando na "cara" suas situações de início.

Quando a mulher se supera eles sentem que terão que transpor seus próprios limites, continuar seu processo de autodesenvolvimento, que ficou estável enquanto eram suficientes para uma mulher machucada. No filme, Marie reclama da falta de ciúmes dele, e no quanto isso mostra seu narcisismo, já que ter ciúmes mostra também que temos a consciência de que há no mundo alguém melhor que nós. Mas ele sente que já atingiu seu auge. Marie, como muitas de minhas pacientes alegam que elas, por terem sido salvas, ficam todo o tempo buscando ser melhor para eles: melhor namorada, parceira, amante, amiga; e eles as acusam de ingratas quando desejam que eles também tenham esses pensamentos e consequentes ações. Relatam que são "amadas" enquanto não saudáveis e que depois de um tempo precisam se mostrar problemáticas, ainda doloridas se quiserem manter a relação. 

Salvar uma mulher é ter algo contra ela, que poderá ser usado por "homens salvadores", já que normalmente são os que possuem a mais baixa autoestima. Os narcisistas são exemplo típico dessa fragilidade interior, potencializando um porte exterior como compensação. Salvar uma mulher pode também ser entendido por eles como passaporte para trair, já que nada melhor do que uma mulher ferida, para ter segurança de sua devoção e permanência. Salvar uma mulher é certeza do aval delas,  todas as manhãs, de heroi do dia, quando saem para seus negócios e precisam enfrentar homens de fato seguros. Salvar uma mulher pode ser uma desculpa para se sentir superior quando foram inferiorizados por suas próprias famílias, quando foram desacreditados por seus chefes, amigos enfim, por si mesmos.

Salvar uma mulher não é difícil, mas isso não é amar uma mulher. Ser salva por um homem também não deve ser motivo de orgulho, alívio ou a ideia de esperteza. Salvar é a busca de controlar alguém, que pode chegar a se transformar em amor sim se forem amadurecendo juntos, mas  na maioria das vezes isso acaba nos tribunais. Se houver duas opções no momento da dor: ser salva por um homem ou enfrentar o desconhecido, acredite, o desconhecido te cobrará e te envelhecerá menos. 


Luciana Sereniski

CRP 12/06912


Autodesenvolvimento

Retirando as Máscaras

11:30


De repente cai a máscara e então se percebe que ela não era adequada para o futuro, tampouco para o presente. Somente estava preparada enquanto se encenava, enquanto havia a ilusão social, enquanto era observada pelas pessoas que estavam sempre dispostas a aplaudir, a mostrar admiração. Ninguém percebia a vergonha, o quanto se estava dura por tentar vencer, não na vida, mas da vida, ninguém via o quanto se era rude por trás do personagem, apenas uma palhaça a mais, no vasto teatro da vida.

Quando cai a máscara, a sensação de vazio começa a tomar conta. As máscaras vivem caindo e constantemente com qualquer coisa e sem pensar, nem tentar ser melhor dessa vez, vamos preenchendo rapidamente esse espaço para que ninguém perceba o quanto somos mornos, insossos, sem graça. Vestimo-nos de chefes, de mãe, de pai, de um grande amigo, um exímio amante, tudo na tentativa de manter a platéia sorrindo com nossas peripécias. Que quadro angustiante e cheio de desespero, depressivo talvez, imperando a infelicidade.

Ninguém acreditaria que atrás dos seus lindos olhos coloridos, tudo é escuridão. E não adianta insistir com as lembranças: o primeiro amor, o primeiro beijo, uma grande aventura, a melhor noitada, a viagem à Paris, a primeira conta paga por si mesmo, a primeira sensação de liberdade. Muita emoção, mas são somente lembranças e chega o dia em que não se consegue mais manter a cara pintada, o sorriso falso, o nariz vermelho no lugar porque uma verdade explosiva anuncia que é chegada a hora de aposentar o personagem, retirar a máscara, ao menos essa que não era saudável, e encarar com todo o medo a plateia decepcionada por ter visto a realidade.

Por tantas vezes em nossa vida, em diferentes situações, as máscaras vão sendo construídas e constantemente adaptadas para nos proteger. Criamos personagens diferentes, de acordo com cada situação, se tornam tão profundos que mesmo no mundo mais íntimo e particular, ao olharmos no espelho não nos reconhecemos.

Bendita seja a hora, se vier a existir, que ao se olhar e não enxergar nada, ao menos se perceba que não se é mais feliz assim, que os sonhos hoje construídos e as máscaras se confundem e te confundem, não combinando mais com a realidade. Tomara haja tempo para que essa reflexão não aconteça, nos vários dias que depois de tanto sentir o que também não se sabe o que é, numa cama de hospital. Tomara haja tempo ao menos para lavar o rosto e sorrir para você pela primeira vez mostrando os dentes. Tomara não dê tempo para preparar rapidamente outra máscara e que você se dê a oportunidade de estar inteira ainda nesta noite, longe da angústia de se proteger de si mesma.

Luciana Sereniski
CRP 12/06912

Autodesenvolvimento

Quer Ouro? Transforme-se nele, pela Alquimia Interior

17:44


Qualquer ideia que temos sobre algo é transformado em um corpo sólido, que foi por nós modelado de determinada maneira, e se torna uma matéria que se fixou no nosso Ser. Isto se torna um fato e agimos no mundo exterior conforme este fato. Mas, e se este Ser fixado for algo negativo para mim, como altero?

Tomemos como exemplo o fato de certa pessoa ter um ego, que é o centro da nossa consciência, acreditando que o sentido da vida consiste em ganhar dinheiro. Ele é motivado pela necessidade de ganhar dinheiro e basicamente nada além disso. A pessoa com esse ego deixa de lado filhos, casamento, saúde, para satisfazer sua necessidade. A atitude perante o dinheiro é uma “Substância Sólida”. Como tal não pode ser alterada.

Segundo a alquimia, a única forma de uma substância sólida ser alterada é se adicionada ao mercúrio, que na Psicologia Junguiana é o Mundo da Imaginação, que só acontece no contato com o Eu Interior e que nada tem a ver com desejos fantasiosos. Se o ego admite que talvez não esteja agindo de maneira muito correta e pergunta ao seu Eu Interior qual o real sentido da vida, nesse momento aquilo que era uma substância sólida, terá sido reduzido a mercúrio líquido.

Nesse estado é possível que a atitude, a crença, possa ser alterada e acomode agora o ponto de vista não mais do ego, mas do Eu Interior, o Si-Mesmo. Para os alquimistas, um corpo dissolvido em mercúrio deixa de ser físico e torna-se espírito (energia pura). 

Digamos que a atitude perante o dinheiro, que era uma substância sólida tenha a forma interior de um empresário ganancioso. É com essa figura que o ego vai interagir, através da Imaginação, para realizar a mudança. 

Quando você adiciona um corpo ao mercúrio, você ativa o enxofre. Teríamos aqui dois tipos de enxofre, o interior e o exterior. O exterior é negativo e cria barreiras que impedem o desenvolvimento natural ou a criação da pedra filosofal, que seria a relação saudável que se deveria ter com o dinheiro, permitindo que ele se manifestasse naturalmente sempre que fosse necessário. Esse enxofre simboliza influências que não fazem parte do Si-Mesmo, do Eu Interior, e que dão ao indivíduo uma forma que não corresponde ao que ele realmente é. Acontece em decorrência da influência da sociedade, da pressão dos pais, e força a pessoa a agir de um modo não condizente com sua verdadeira natureza.

O enxofre ativado pela união entre o corpo e o mercúrio é o enxofre interior. Quando o ego pergunta para o Eu Interior sobre o sentido da vida, ativa o poder que o Eu Interior tem de criar experiências imaginárias, fazendo com que o próprio Eu Interior se manifeste. O enxofre interior é o Si-Mesmo se manifestando para imaginar. Com o poder do enxofre o Eu Interior aparece em uma Imaginação Ativa como uma figura interior que ensina ao ego aquilo que julga ser o sentido da vida. 
Interagindo com essa figura interior o ego pode descobrir para sua vida um propósito muito mais coerente com sua verdadeira natureza.

Nesse momento o que de fato acontece? A Solutio, uma operação alquímica, que opera de forma a assimilar um conteúdo de valor inferior a outro de valor superior. Para a alquimia esse valor superior significa “mais perto do ouro”. Assim se duas substâncias são misturadas em uma solução, aquela que estiver mais próxima do ouro transformará a outra, mais distante, nela mesma. Dessa forma um metal originalmente inferior pode progredir pela escala metálica até atingir o ouro.

Isso significa que se duas atitudes ou ideias unem-se na imaginação por meio do diálogo, a que estiver mais próxima do Eu Interior assimilará a outra. Se me conscientizo que tenho uma crença que está afetando minha habilidade de viver livremente, o primeiro passo para transformar essa crença consiste em personifica-la na imaginação, como uma figura qualquer, assim como "um empresário ganancioso" foi a figura representativa para aquele que só acreditava que o sentido da vida era buscar dinheiro. Ao lidar com essa figura, realizar diálogos entre ela e o Eu Interior, através da Imaginação Ativa, técnica Junguiana, mais cedo ou mais tarde ela é transformada em algo mais próximo ao Si-Mesmo ou Eu Interior. 

A elaboração das nossas “Substâncias Sólidas”,  segundo diziam os alquimistas, o que corroborou Jung, transformando-nos ao final na própria pedra filosofal, nos proporcionaria saúde duradoura, ouro, prata, pedras preciosas, força e beleza imortal, juventude, além de destruir toda raiva, a tristeza, a pobreza e todas as fraquezas. No final deste processo nenhuma alegria lhe seria negada. Portanto para se ter o dinheiro não precisaria deixar filhos, relacionamentos, saúde, de lado, somente mudar com a orientação do Si-Mesmo, nosso ouro Interior.

Luciana Sereniski
CRP 12/06912