No filme, Malcolm, um cineasta, acaba de lançar um filme que fala de uma mulher que lutava contra o vÃcio em drogas. A história tinha como base a luta que sua esposa, Marie, venceu com a ajuda dele. A discussão sobre a relação se inicia logo após o lançamento do filme, quando Malcolm no seu discurso não cita Marie nos seus agradecimentos.
Para começar, é incrÃvel o que podemos fazer com um relacionamento em 1 hora e meia, tempo do filme, já que ele se passa apenas nesse perÃodo pós lançamento do filme, no retorno do casal à casa. Podemos demonstrar um amor imenso e chegar a um ódio profundo em apenas 10 minutos, se ele já existir enclausurado. Quando Marie consegue expressar sua dor e raiva por não ter sido citada no discurso, após ver sua história revelada no filme, Malcolm começa a fazê-la duvidar de sua sanidade. Dá a entender que ela quem deveria agradecer-lhe por estar ao lado dele, após ele suportar situações vexatórias no perÃodo do vÃcio e ajudá-la a sair do caos.
Isso me remeteu à pacientes que foram salvas por seus “homens” quando se uniram à eles levando dÃvidas financeiras, dores de abusos, discriminações familiares, filhos de outras relações, e até uma “simples” baixa autoestima. Num primeiro momento sentiram-se gratas por terem sido acolhidas, como se fosse um favor, e pouco a pouco se tornaram tripé para a ascensão de seus parceiros, que ao salvá-las estavam na verdade buscando sua própria redenção.
Enquanto essas mulheres, assim como mostra o filme, rendem-lhes glórias e améns elas são mantidas, mas, se ousarem mostrar que já não são mais dependentes deles, podem encontrar as mais duras palavras e noutras vezes ações, tudo, para manterem-se no pódio do heroÃsmo. Não é incorreto dizer que ainda é esperado pela grande maioria das mulheres que um homem se porte como heroi, mas desconsideram que um ego muito rÃgido pode se transformar numa arma.
No filme ela é atacada logo após mostrar à ele que já consegue perceber seu valor. Mas ele argumenta que quer que ela tenha uma vida para não mais depender da dele, só que ela é incapaz de controlar sua vida, diz ele. Quando na verdade ele a controla quando rouba sua história. O argumento dele é válido, mas é nesse momento, quando ela começa a ter voz que um homem que salvou uma mulher deve se mostrar feliz. É quando a endividada começa a produzir seu próprio dinheiro e fazer sucesso, a abusada e tÃmida começa a ousar nas atitudes, a com baixa autoestima melhora a ideia sobre si mesma, a que só oferecia começa a querer receber. Homens que as salvaram para ter sua própria redenção não ficarão satisfeitos com a evolução de suas parceiras e começarão a pisar-lhes para que voltem a posição anterior, normalmente jogando na "cara" suas situações de inÃcio.
Quando a mulher se supera eles sentem que terão que transpor seus próprios limites, continuar seu processo de autodesenvolvimento, que ficou estável enquanto eram suficientes para uma mulher machucada. No filme, Marie reclama da falta de ciúmes dele, e no quanto isso mostra seu narcisismo, já que ter ciúmes mostra também que temos a consciência de que há no mundo alguém melhor que nós. Mas ele sente que já atingiu seu auge. Marie, como muitas de minhas pacientes alegam que elas, por terem sido salvas, ficam todo o tempo buscando ser melhor para eles: melhor namorada, parceira, amante, amiga; e eles as acusam de ingratas quando desejam que eles também tenham esses pensamentos e consequentes ações. Relatam que são "amadas" enquanto não saudáveis e que depois de um tempo precisam se mostrar problemáticas, ainda doloridas se quiserem manter a relação.
Salvar uma mulher é ter algo contra ela, que poderá ser usado por "homens salvadores", já que normalmente são os que possuem a mais baixa autoestima. Os narcisistas são exemplo tÃpico dessa fragilidade interior, potencializando um porte exterior como compensação. Salvar uma mulher pode também ser entendido por eles como passaporte para trair, já que nada melhor do que uma mulher ferida, para ter segurança de sua devoção e permanência. Salvar uma mulher é certeza do aval delas, todas as manhãs, de heroi do dia, quando saem para seus negócios e precisam enfrentar homens de fato seguros. Salvar uma mulher pode ser uma desculpa para se sentir superior quando foram inferiorizados por suas próprias famÃlias, quando foram desacreditados por seus chefes, amigos enfim, por si mesmos.
Salvar uma mulher não é difÃcil, mas isso não é amar uma mulher. Ser salva por um homem também não deve ser motivo de orgulho, alÃvio ou a ideia de esperteza. Salvar é a busca de controlar alguém, que pode chegar a se transformar em amor sim se forem amadurecendo juntos, mas na maioria das vezes isso acaba nos tribunais. Se houver duas opções no momento da dor: ser salva por um homem ou enfrentar o desconhecido, acredite, o desconhecido te cobrará e te envelhecerá menos.
Luciana Sereniski
CRP 12/06912