Lenda Barba Azul e interpretação de Clarissa Èstes

11:35


"Existe uma mecha de barba que fica guardada no convento das freiras brancas nas montanhas distantes. Como chegou até o convento, ninguém sabe. Uns dizem que foram as freiras que enterraram o que sobrou do seu corpo já que ninguém mais se dispunha a nele tocar.

Desconhece-se o motivo pelo qual as freiras iriam guardar uma relíquia dessa natureza, mas é verdade. Uma amiga de uma amiga minha viu com seus próprios olhos. Ela diz que a barba é azul, da cor do índigo para ser exata. É tão azul quanto o gelo escuro no lago, tão azul quanto a sombra de um buraco à noite. Essa barba pertenceu um dia a alguém de quem se dizia ser um mágico fracassado, um homem gigantesco com uma queda pelas mulheres, um homem conhecido pelo nome de Barba-azul.

Dizia-se que ele cortejava três irmãs ao mesmo tempo. As moças tinham, porém, pavor de sua barba com aquele estranho reflexo azul e, por isso, se escondiam quando ele chamava. Num esforço para convencê-las da sua cordialidade, ele as convidou para um passeio na floresta. Chegou conduzindo cavalos enfeitados com sinos e fitas cor-de-carmim. Acomodou as irmãs e a mãe nos cavalos, e partiram a meio-galope floresta adentro. Lá passaram um dia maravilhoso cavalgando, e seus cães corriam a seu lado e à sua frente. Mais tarde, pararam debaixo de uma árvore gigantesca, e o Barba-azul as regalou com histórias e lhes serviu guloseimas.

"Bem, talvez esse Barba-azul não seja um homem tão mau assim", começaram a pensar as irmãs.

Voltaram para casa tagarelando sobre como o dia havia sido interessante e como haviam se divertido. Mesmo assim, as suspeitas e temores das duas irmãs mais velhas voltaram, e elas juraram quem não veriam o Barba-azul de novo. A irmã mais nova, no entanto, achou que, se um homem podia ser tão encantador, talvez ele não fosse tão mau. Quanto mais ela falava consigo mesma, menos assustador ele lhe parecia, e sua barba também parecia menos azul.

Portanto, quando o Barba-azul pediu sua mão em casamento, ela aceitou. Ela havia refletido muito sobre a sua proposta e concluído que ia se casar com um homem muito distinto. Foi assim que se casaram e, em seguida, partiram para seu castelo no bosque.

- Vou precisar viajar por algum tempo - disse ele um dia à mulher. - Convide sua família para vir aqui se quiser. Você pode cavalgar nos bosques, mandar os cozinheiros prepararem um banquete, pode fazer o que quiser, qualquer desejo que seu coração tenha. Para você ver, tome minhas chaves. Pode abrir toda e qualquer porta das despensas, dos cofres, qualquer porta do castelo; mas essa chavinha, a que tem nos altos uns arabescos, você não deve usar.

- Está bem, vou fazer o que você pediu. Parece que está tudo certo. Portanto pode ir, meu querido, não se preocupe e volte logo. - E assim ele partiu, e ela ficou.

Suas irmãs vieram visitá-la e elas sentiam, como todo mundo, muita curiosidade a respeito das instruções do dono da casa quanto ao que deveria ser feito enquanto ele estivesse fora. A jovem esposa falou alegremente.

- Ele disse que podemos fazer o que quisermos e entrar em qualquer aposento que desejarmos, com exceção de um. Só que eu não sei qual é o aposento. Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre.

As irmãs resolveram fazer um jogo para ver que chave servia em que porta. O castelo tinha três andares, com cem portas em cada ala, e como havia muitas chaves no chaveiro, elas iam de porta em porta, divertindo-se imensamente ao abrir cada uma delas. Atrás de uma porta, havia uma despensa para mantimentos, atrás de outra, um depósito de dinheiro. Todos os tipos de bens estavam atrás das portas, e tudo parecia maravilhoso o tempo todo. Afinal, depois de verem todas aquelas maravilhas, elas acabaram chegando ao porão e, ao final do corredor, a uma parede fechada.

Ficaram intrigadas com a última chave, a que tinha o pequeno arabesco.

- Talvez essa chave não sirva para abrir nada - Enquanto diziam isso, ouviram um ruído estranho - errrrrrr. - Deram uma espiada na esquina do corredor e - que surpresa! - havia uma pequena porta que acabava de se fechar. Quando tentaram abri-la, ela estava trancada.

- Irmã, irmã, traga sua chave - gritou uma delas - Sem dúvida é essa a porta para aquela chavinha misteriosa.

Sem pestanejar, uma das irmãs pôs a chave na fechadura e a girou. O trinco rangeu, a porta abriu-se, mas lá dentro estava tão escuro que nada se via.

- Irmã, irmã, traga uma vela. - Uma vela foi acesa e mantida no alto um pouco mais para dentro do aposento, e as três mulheres gritaram ao mesmo tempo, porque no quarto havia uma enorme poça de sangue; ossos humanos enegrecidos estavam jogados por toda parte e crânios estavam empilhados nos cantos como pirâmides de maçãs.

Elas fecharam a porta com violência, arrancaram a chave da fechadura e se apoiaram umas nas outras arquejantes, com o peito arfando. Meu Deus! Meu Deus!

A esposa olhou para a chave e viu que ela estava manchada de sangue. Horrorizada, usou a saia para limpá-la, mas o sangue prevaleceu.

- Oh, não! - exclamou. Cada uma das irmãs apanhou a chave minúscula nas mãos e tentou fazer com que voltasse ao que era antes, mas o sangue não saía.

A esposa escondeu a chavinha no bolso e correu para a cozinha. Quando lá chegou, seu vestido branco estava manchado de vermelho do bolso até a bainha, pois a chave verteu lentamente lágrimas de sangue vermelho-escuro.

- Rápido, rápido, dê-me um esfregão de crina - ordenou ela à cozinheira. Esfregou a chave com vigor, mas nada conseguia deter seu sangramento. Da chave minúscula transpirava uma gota após a outra se sangue vermelho.

Ela levou a chave para fora, tirou cinzas do fogão a lenha, cobriu a chave de cinzas e esfregou mais. Colocou-a no calor do fogo para cauterizá-la. Pôs teia de aranha nela para estancar o fluxo, mas nada conseguia deter as lágrimas de sangue.

- Ai, o que vou fazer? - lamentou-se ela. - Já sei, vou guardar a chave. Vou colocá-la no guarda-roupa e fechar a porta. Isso é um pesadelo. Tudo vai dar certo. - E foi o que fez.

O marido chegou de volta exatamente na manhã do dia seguinte e entrou no castelo já procurando pela esposa.

- E então, como foram as coisas enquanto eu estive fora?

- Tudo bem, senhor.

- Como estão minhas dispensas? - trovejou o marido.

- Muito bem, senhor.

- E como estão meus depósitos de dinheiro? - rosnou ele.

- Os depósitos de dinheiro também estão bem, senhor.

- Então, tudo está certo, esposa?

- É, tudo está certo.

- Bem - sussurrou ele - então é melhor devolver minhas chaves.

Com um relancear de olhos, ele percebeu a falta de uma chave.

- Onde está a menorzinha?

- Eu... eu a perdi. É, eu a perdi. Estava passeando a cavalo o chaveiro caiu e eu devo ter perdido uma chave.

- O que você fez com ela, mulher?

- Não... não me lembro.

- Não minta para mim! Diga-me o que fez com aquela chave!

Ele tocou seu rosto como se fosse lhe fazer carinho, mas em vez disso a segurou pelos cabelos.

- Sua traidora! - rosnou, jogando-a no chão. - Você entrou naquele quarto, não entrou?

Ele abriu o guarda-roupa com brutalidade e a pequena chave na prateleira de cima havia sangrado, machado de vermelho todos os belos vestidos de seda que estavam pendurados.

- Chegou a sua vez, minha querida - berrou ele, arrastando-a pelo corredor e pelo porão adentro até pararem diante da terrível porta. O Barba-azul apenas olhou para a porta com seus olhos enfurecidos, e ela se abriu para ele. Ali jaziam os esqueletos de todas as suas esposas anteriores.

- Vai ser agora!!! - rugiu ele, mas ela se agarrou ao batente da porta sem largar, implorando por clemência.

- Por favor, permita que eu me acalme e me prepare para a morte. Conceda-me quinze minutos antes de me tirar a vida para que eu possa me reconciliar com Deus.

- Está bem - rosnou ele - Você tem seus quinze minutos, mas prepare-se.

A esposa correu escada acima até seus aposentos e determinou que suas irmãs fossem para as muralhas do castelo. Ajoelhou-se para rezar, mas, em vez de rezar, gritou para as irmãs.

- Irmãs, irmãs, vocês estão vendo a chegada dos nossos irmãos?

- Não vemos nada, nada na planície nua.

A cada instante ela gritava para as muralhas.

- Irmãs, irmãs, estão vendo nossos irmãos chegando?

- Vemos um redemoinho, talvez um redemoinho de areia bem longe.

Enquanto isso, o Barba-azul esbravejava para que sua esposa descesse até o porão para ser decapitada.

- Irmãs, irmãs! Estão vendo nossos irmãos chegando? - gritou ela mais uma vez.

O Barba-azul berrou novamente pela esposa e veio subindo a escada de pedra com passos pesados.

- Estamos, estamos vendo nossos irmãos - exclamaram as irmãs. - Eles estão aqui e acabaram de entrar no castelo.

O Barba-azul vinha pelo corredor na direção dos aposentos da esposa.

- Vim apanhá-la - gritou ele. Suas passadas eram pesadas; as pedras no piso se soltavam; a areia da argamassa caía esfarinhada no chão.

No instante em que o Barba-azul entrou nos aposentos com as mãos esticadas para agarra-la, seus irmãos chegaram galopando pelo corredor do castelo ainda montados, entrando assim no quarto. Ali eles encurralaram o Barba-azul fazendo com que caísse até a balaustrada. E ali mesmo, com suas espadas, avançaram contra ele, golpeando e cortando, fustigando e retalhando, até derrubá-lo ao chão. Matando-o afinal e deixando para os abutres o que sobrou dele. "

Explicação de Clarissa P. Èstes, livro: Mulheres que correm com os Lobos, sobre o Conto do Barba Azul.

A irmã mais nova, a menos desenvolvida, cumpre o roteiro tipicamente humano da mulher ingênua. Ela será capturada temporariamente pelo seu próprio inimigo interior. Mesmo assim, no final escapará mais sábia, mais forte, e sabendo reconhecer à primeira vista o astucioso predador da sua própria psique.

A história psicológica subjacente ao conto também se aplica à mulher mais velha que ainda não aprendeu perfeitamente a reconhecer o predador inato. Talvez ela tenha dado início ao processo repetidas vezes, mas, por lhe faltarem orientação e apoio, ela ainda não o concluiu.

E por isso que as narrativas míticas são tão construtivas: elas fornecem mapas iniciáticos de tal modo que mesmo uma tarefa que esteja emperrada possa ser terminada. O conto do Barba-azul é útil para todas as mulheres, independente de serem jovens e terem acabado de saber da existência do predador ou de terem sido acossadas e acuadas por ele décadas a fio, encontrando-se, afinal, preparadas para um confronto final e decisivo com ele.

A irmã mais nova representa um potencial criativo dentro da psique. Algum aspecto que está se aproximando de uma vida exuberante e reprodutiva. Ocorre, porém, um desvio quando ela concorda em se tornar presa de um homem perverso em virtude de não estarem intatos seus instintos para perceber e tomar outra decisão.

Do ponto de vista psicológico, as meninas e os meninos são como que dormentes para o fato de que eles próprios possam ser as presas. Embora às vezes nos pareça que a vida seria muito mais fácil e menos dolorida se todos os seres humanos nascessem totalmente em estado de alerta, isso não acontece. Nós todos nascemos anlagen, como o potencial no núcleo de uma célula: em biologia, a Anlage é a parte da célula caracterizada como "aquilo que se tornará". Dentro da Anlage está a substância fundamental que, com o tempo, irá se desenvolver fazendo com que nos tornemos uma pessoa inteira. Portanto, nossas vidas, enquanto mulheres, consistem em acelerar a Anlage. O conto do Barba-azul fala do despertar e da educação desse núcleo psíquico, dessa célula luminosa. Em prol dessa educação, a irmã mais nova concorda em se casar com uma força que ela acredita ser muito distinta. O casamento nos contos de fadas simboliza a procura de um novo status, o desdobramento de uma nova camada da psique.

No entanto, a jovem esposa se iludiu. A princípio, ela sentia medo do Barba-azul. Estava desconfiada. Um pouco de diversão no bosque faz com que ela descarte essa intuição. Quase todas as mulheres já passaram por essa experiência pelo menos uma vez. Consequentemente, ela se convence de que o Barba-azul não é perigoso, mas só excêntrico e cheio de idiossincrasias. Como sou boba! Por que me repugna tanto aquela barbinha azul? Sua natureza selvagem, porém, já farejou a situação e sabe que o homem de barba azul é mortal, enquanto a psique ingênua descarta essa sabedoria interior.

Esse erro de raciocínio é quase rotineiro numa mulher tão jovem cujos sistemas de alarme ainda não estão totalmente desenvolvidos. Ela é como um filhote de lobo, sem mãe, que rola e brinca na clareira, sem perceber o lince de quase 50 quilos que se aproxima vindo das sombras. No caso de uma mulher mais velha que está tão isolada do aspecto selvagem que mal chega a ouvir os avisos do seu íntimo, ela também segue em frente, com um sorriso ingênuo.

Bem que poderíamos nos perguntar se haveria como evitar tudo isso. Como no mundo animal, a menina aprende a ver o predador através dos ensinamentos da mãe e do pai. Sem a amorosa orientação dos pais, ela certamente será uma presa prematura na vida. Em retrospectiva, quase todas nós, pelo menos uma vez na vida, passamos pela experiência de uma ideia irresistível ou de uma pessoa meio deslumbrante entrando pela nossa janela no meio da noite para nos apanhar de surpresa. Mesmo que estejam usando máscaras de esquiar, que tragam uma faca entre os dentes e um saco de dinheiro jogado sobre os ombros, nós ainda assim acreditamos quando eles nos dizem que trabalham no ramo bancário.

Contudo, mesmo com uma criação criteriosa por parte dos pais, a jovem pode, especialmente a partir dos doze anos de idade, ser seduzida de modo a se afastar das suas verdades por grupos de colegas, forças culturais ou pressões psíquicas, começando assim a assumir riscos com bastante imprudência no esforço de descobrir as coisas por si mesma. Ao trabalhar com adolescentes mais velhas que vivem convencidas de que o mundo é bom, sem ao menos elas conseguirem lidar com ele corretamente, sempre me sinto como um velho cão grisalho. Tenho vontade de pôr as patas diante dos olhos e gemer, porque vejo o que elas não veem e sei, especialmente se elas forem determinadas e exuberantes, que elas vão insistir em se envolver com o predador pelo menos uma vez antes que sejam despertadas com um choque.

No início das nossas vidas, nosso ponto de vista feminino é muito ingênuo, o que quer dizer que nossa compreensão emocional do que está oculto é muito tênue.

No entanto, é assim que todas nós começamos. Somos ingênuas e nos convencemos a entrar em situações muito confusas. Não ser iniciada nos detalhes dessas questões significa estar num estágio da nossa vida em que somos propensas a perceber apenas o que está às claras.

Entre os lobos, quando a mãe deixa os filhotes para ir caçar, os pequenos tentam acompanhá-la para fora da toca, pela trilha abaixo. A mãe rosna para eles, investe contra eles e apavora os filhotes até que eles voltem atabalhoadamente para dentro da toca. A mãe sabe que os filhotes ainda não têm condição de pesar e avaliar outras criaturas. Eles não sabem quem é um predador e quem não é. Com o tempo, ela irá ensiná-los, com rigidez e eficácia. À semelhança dos filhotes de lobo, as mulheres precisam de uma iniciação semelhante, que lhes revele que o mundo interior assim como o exterior não são sempre locais propícios. Muitas mulheres não chegam a receber os ensinamentos básicos a respeito de predadores que a mãe loba dá aos filhotes como, por exemplo, se for ameaçador e maior do que você, fuja; se for mais fraco, pense no que quer fazer; se estiver doente, deixe-o em paz; se tiver espinhos, veneno, presas ou garras aguçadas, recue e vá na direção oposta; se tiver um cheiro bom mas estiver cercado de garras de ferro, passe direto.

A irmã mais nova na história não é só ingênua quanto aos seus próprios processos mentais e totalmente ignorante quanto ao aspecto assassino da sua própria psique, mas é também capaz de ser seduzida pelos prazeres do ego. E por que não?

Todas nós queremos tudo maravilhoso. Toda mulher quer montar um cavalo enfeitado com sinos e sair cavalgando pelos campos sem fim e pela floresta sensual.

Todos os seres humanos querem atingir um paraíso prematuro aqui na terra. O problema é que o ser deseja sentir-se fantástico, enquanto um anseio pelo paradisíaco, quando aliado à ingenuidade, não nos deixa realizadas, mas nos transforma, sim, em alvo para o predador.

Essa aceitação do casamento com o monstro é na realidade decidida quando as meninas são muito novas, geralmente antes dos cinco anos de idade. Elas são ensinadas a não enxergar e, em vez disso, a "dourar" todo tipo de esquisitice, quer seja agradável quer não. É em consequência desse treinamento que a irmã mais nova consegue dizer, "Bem, até que a barba dele não é tão azul assim". Esse treinamento básico para que as mulheres "sejam boazinhas" faz com que elas ignorem sua intuição. Nesse sentido, elas de fato recebem lições específicas para que se submetam ao predador. Imaginem uma loba ensinando seus filhotes a "serem bonzinhos" diante de uma doninha enfurecida ou de uma astuciosa cascavel.

No conto, até mesmo a mãe é cúmplice. Ela vai ao piquenique, "acompanha" as filhas no passeio. Ela não diz uma palavra que recomende cautela a qualquer uma das filhas. Seria possível afirmar que a mãe biológica ou a mãe interior está adormecida ou é ela própria ingênua, como ocorre muitas vezes com meninas muito novas ou com mulheres que não foram criadas pela mãe.

É interessante observar que, no conto, as irmãs mais velhas demonstram certa conscientização quando dizem que não gostam do Barba-azul, muito embora ele tenha acabado de lhes proporcionar diversão e atenções num estilo muito romântico e paradisíaco. A história dá a impressão de que alguns aspectos da psique, representados pelas irmãs mais velhas, são um pouco mais desenvolvidos em termos de insight, elas têm algum "conhecimento" que as avisa para não romantizar o predador. A mulher iniciada presta atenção às irmãs mais velhas na psique; elas a protegem do perigo com seus avisos. A mulher não-iniciada não lhes dá atenção; ela ainda está excessivamente identificada com a ingenuidade.

Digamos, por exemplo, que uma mulher ingênua insista em escolher mal seus parceiros. Em algum ponto da sua mente ela sabe que esse modelo de comportamento é infrutífero, que deveria parar e seguir valores diferentes. Muitas vezes ela até sabe como deve prosseguir. No entanto, há algo de irresistível, uma espécie de Barba-azul hipnótico, que faz com que continue seguindo o padrão destrutivo. Na maioria dos casos, a mulher sente que, se apenas se mantiver fiel ao velho modelo um pouco mais, ora, sem dúvida a sensação paradisíaca que procura aparecerá no próximo batimento do seu coração.

Num outro extremo, uma mulher envolvida numa dependência química tem com o máximo de nitidez, no fundo da mente, um conjunto de irmãs mais velhas que lhe dizem, "Não! De jeito nenhum! Isso é ruim para a cabeça e ruim para o corpo. Nós nos recusamos a continuar." No entanto, o desejo de encontrar o paraíso atrai a mulher para o casamento com o Barba-azul, o traficante das viagens psíquicas.

Qualquer que seja o dilema em que se encontre a mulher, as vozes das irmãs mais velhas na sua psique continuam a lhe recomendar consciência e sensatez nas suas escolhas. Elas representam aquelas vozes do fundo da mente que sussurram as verdades que uma mulher pode desejar evitar uma vez que elas acabem com sua fantasia do Paraíso encontrado.

E assim ocorre o casamento fatal, a fusão da doce ingenuidade com a escuridão covarde. Quando o Barba-azul sai em viagem, a jovem não percebe que, embora ele a exorte a fazer tudo o que desejar — com exceção daquela única proibição —, ela está vivendo menos, não mais. Muitas mulheres viveram literalmente o conto do Barba-azul. Elas se casam enquanto ainda são ingênuas a respeito de predadores, e escolhem um parceiro que é destrutivo para com a sua vida. Elas se sentem determinadas a "curar" aquele a quem amam. Estão, sob certo aspecto, "brincando de casinha". Poderíamos dizer que elas passaram muito tempo dizendo que a barba dele afinal não é tão azul assim.

Uma mulher capturada desse modo acaba percebendo que suas esperanças de uma vida razoável para si mesma e para seus filhos diminuem cada vez mais. É de se esperar que ela abra a porta do quarto onde jaz toda a destruição da sua vida. Embora possa ser o parceiro físico da mulher quem a prejudique e arrase sua vida, o predador inato dentro da sua própria psique concorda com isso. Enquanto a mulher for forçada a acreditar que é indefesa e/ou for treinada para não registrar no consciente o que sabe ser verdade, os impulsos e dons femininos da sua psique continuarão a ser erradicados.

Quando uma alma jovem se casa com o predador, ela é capturada ou reprimida durante uma fase da sua vida que deveria ser de desdobramento. Em vez de viver livremente, ela começa a viver falsamente. A promessa enganosa do predador diz que a mulher será rainha de algum modo, quando de fato o que se planeja é seu assassinato. Há uma saída para evitar isso tudo, mas é preciso que se tenha a chave.

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2 comentários

  1. Eu já estive nas mãos do barba azul incontáveis vezes e posso dizer com propriedade o quanto é difícil primeiro aceitar a situação, enxergar e depois sair dela. O arquétipo do barba azul é traiçoeiro, mto poderoso, não há como medir forças com ele (e eu tentei mto). Naum podemos com ele. E ele nos envolve qtas vezes aparecer se não estivermos alerta. Ele hipnotiza, é como uma DROGA, que vc toma e naum consegue mais parar por mais que ela esteja acabando com vc, por mais que vc sinta todos os dias morrer um pouco. Vc naum consegue, é forte de mais, hipnotizante de mais. E o estrago é sempre bem feito, naum existe outro final pra quem se depara com ele que seja diferente de muita dor e perda. Naum dá pra se enganar... Tentei inúmeras vezes de inúmeras formas mudar esse final, mas ele é sempre o mesmo. O barba azul é uma verdadeira tocaia. Qdo penso em barba azul, só penso em correr pra longe, pq a força dele é brutal. Esse conto e a interpretação dele me ajudou imensamente, como um roteiro a seguir qdo se ver vivendo essa situação.

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  2. Qual é a chave para evitar tudo isso?

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