Os atos de violência são mais traumatizantes do que catástrofes naturais, como um terremoto por exemplo. Um acidente, estupro, assalto, incidentes ocorridos apenas uma vez não são superiores, mas se equiparam às situações de maus tratos na infância, abusos verbais, abandono, de forma constante, e até mesmo situações que não parecem como a persistente falta de dinheiro gerando brigas e inseguranças podem ser traumatizantes. São situações que geram trauma porque a mente entendeu que a pessoa foi escolhida para viver aquele sofrimento, ao contrário das catástrofes naturais, mesmo que em ambos tenha sido gerado o fator principal para ser trauma: a impotência em agir.
Essa impotência, confirmada em muitas pesquisas é responsável por alterações bioquÃmicas no cérebro ficando desreguladas substâncias como adrenalina e noradrenalina, e fazendo com que o corpo se mobilize para uma emergência, mesmo quando é uma situação normal. No trauma qualquer situação ligada à ele também pode trazer essa sensação de urgência, alterando todo o corpo e emoção, pois evoca o trauma original.
Quero exemplificar com uma situação muito comum e que as pessoas nem tem ideia que vem de um trauma. Uma criança acompanha os pais desde muito cedo ao supermercado na compra do mês e sente a aflição deles ao pagar a conta, a resistência em pegar o dinheiro, o olhar constante para a tela de digitação de valores, o suor no rosto pela ansiedade dos pais, a espera do caixa do mercado, enfim a resistência em dar o dinheiro em troca da alimentação. Se essa criança viveu uma situação dessas, e normalmente não acontecia só para a alimentação, mas para pagar o aluguel, a luz, o gás, o material da escola, suas necessidades de roupa, tudo enfim, ela, até pela sensibilidade infantil foi assimilando aquilo e fazendo associações. Lidar com dinheiro quando adulta tornou-se traumático, e ela faz isso com angústia, nunca ficando dinheiro na sua mão. Ela precisa gastar, passar para frente, criar problemas, principalmente porque ela tem dificuldade de ganhar dinheiro já que associou ele a uma coisa horrÃvel, que traz problemas para uma famÃlia. Ficando só na situação do supermercado, nos dias atuais essa pessoa pode ficar angustiada, ter falta de ar, acelerar o coração só de entrar num supermercado ou pensar que precisa ir, ou olhar para a caixa e ficar tremendo e confusa mentalmente ao pegar o dinheiro. E até ouvir música após as compras pode remeter ao trauma e lhe causar irritabilidade porque após as compras os pais voltavam ouvindo o rádio. Se voltavam brigando, na atualidade qualquer briga pode hoje gerar uma angústia terrÃvel pois a leva ao trauma, a falta de dinheiro.
A situação em si e tudo à volta pode ser contaminado quando um trauma vai se formando. Estas situações aparentemente inocentes são o motivo hoje de muitas pessoas não conseguirem ganhar o que desejam, pois apesar de desejarem muitÃssimo o associaram a falta, de uma forma traumatizante. No tratamento psicoterápico quando encontramos a causa raiz conseguimos desamarrar o nó e liberar a emoção represada. Essa causa é responsável por nossas crenças, limitações, complexos e ao desatar o nó principal todas as associações feitas também são liberadas e a energia antes inconsciente que atuava prejudicando, agora fica disponÃvel na consciência para criar uma nova realidade. Vejam, não é criada uma nova realidade após desatar, ela precisa ser construÃda após a liberação. Mas enquanto presa essa energia comandava a falta de dinheiro na vida da pessoa.
É importante salientar que pessoas que sofreram traumas na infância estão suscetÃveis a sofrer outros traumas. No processo psicoterápico após a liberação da causa raiz que pode ser rápida, se faz necessário o reaprendizado emocional e cerebral, pois apesar da emoção ter sido liberada os caminhos neurais ainda estão fortalecidos e podem agir sem nossa consciência. Essa reeducação é o que fortalece o senso de domÃnio sobre aquele traumático momento de impotência.
Há vários passos para estar no estado natural, consciente, e o primeiro deles é a conscientização de que não é preguiça ou resistência em mudar, só não sabemos o caminho para isso. Não estamos conseguindo sozinhos, apesar de sabermos que somos totalmente responsáveis pela mudança. Buscar auxÃlio profissional é sinal de que se está pronto para lidar com o trauma e com vontade de mudar. Esse é o inÃcio da mudança.
Luciana Sereniski
CRP 12/06912