Estudos Junguianos

Traumas - Você Tem?

12:02


O que acontece no mundo interior quando a vida exterior se torna insuportável? Como esse mundo interior compensa as experiências catastróficas do mundo exterior? Como vai continuar a psique da vítima do trauma?

Os sonhos são uma boa forma de compreender o funcionamento interno, mas não só eles. A terapia Junguiana talvez seja a mais completa em termos de teoria e procedimentos para entender e lidar com os traumas.

As defesas arcaicas protetoras que garantiram a sobrevivência do espírito humano após o golpe aniquilador do trauma não costumam se identificar facilmente, e nos sonhos primeiramente, podemos buscar o simbolismo. Há uma série de formas posterior para conversar com essas defesas e descobrir como ultrapassa-las ou não mais, conforme o nível em que atuam. 

Vamos entender TRAUMA, como qualquer experiência que cause a criança uma dor ou ansiedade psíquica insuportável. Essas experiências insuportáveis excedem as medidas defensivas habituais, e funcionam como um escudo de proteção. Um trauma se forma não só de um abuso sexual ou físico, que podem ser únicos e muito potentes, mas também daqueles “pequenos traumas”, onde as necessidades de dependência são insatisfeitas e se acumulam atingindo um efeito devastador.

Essas defesas que se formaram são chamadas arcaicas pois vieram antes que um ego coerente e suas defesas naturais, estivessem formados. Também chamadas de defesas primitivas ou dissociativas, já que separam como consequência do trauma nossa cognição dos nossos afetos, nossos afetos das imagens, as imagens das sensações, com muitas variações entre si. Somos separados da nossa integridade e é exatamente isso que nossas defesas arcaicas buscam, nos proteger impedindo pelo resto da vida que voltemos a ser inteiros novamente. Em última instância quando tentamos fazer isso de forma inapropriada, normalmente inconsciente, as defesas para preservar o que formaram em nós são capazes de nos matar, nos fazendo adoecer ou nos impulsionando a tirar a própria vida.

De forma bem precária vou simbolizar a situação: você é uma criança sem força física, emocional e psíquica ainda, e é colocada para lutar num ringue com um lutador adulto e profissional, com seu corpo robusto e suas estratégias estabelecidas. A única forma de manter a vida alí e que nem precisou ser aprendida são as formas instintivas, então você pode tentar chutar, gritar, morder, arranhar, dar tapas, socos, da forma que pode ou talvez sabendo que não pretendem matá-la vai apanhar calada. Você sobreviveu e como foi potente naquele momento ou em muitos pequenos momentos você não teve chance de decidir. As defesas arcaicas tomaram seu lugar e decidiram que iriam permanecer, assim como um pai bruto decide que vai proteger seu filho da violência do mundo com o castigo de ficar trancado no quarto para sempre e apanhar se tentar sair. 

Com o tempo seu ego consegue desenvolver muito fragilmente e usar algumas defesas naturais, mas como sobreviveu sendo defendido por “alguém” que mora dentro de você, sem ter que pensar, permite que a confiança nesse comportamento se instale sem espaço para a percepção das consequências.

A questão é que essas defesas primitivas não apenas caracterizam psicopatologias, como também as causam e o custo dessa proteção é conviver com um “falso eu” até o fim. Elas são diabólicas e sinistras e num nível muito elevado são as próprias possessões.

Os sonhos nos permitem saber o que essas defesas querem, o que elas fazem e como, e, num tempo maior como ultrapassá-las. Eu não diria vencê-las pois um embate direto com o demônio é morte certa, física ou mental. Essas defesas não são “ensináveis”.

A terapia nos permite dialogar, compreender, estabelecer alguns limites, conviver melhor, suportar, criar estratégias, aprender novas formas de se defender, fazer descansar os demônios. Mas não é em cima deles que construímos uma outra mente, e sim através deles. E quanto mais inconscientes somos de suas presenças, mais poder eles têm sobre o resultado de nossas vidas. 

Não se ensina um demônio compulsivo por comida ou sexo, ou poder. Não se ensina um demônio a não procrastinar, a não autossabotar nossa vida. Essas são algumas das formas que eles têm. E podem ser muitas, normalmente disfarçados eles comandam nossas vidas, entrando pela porta da frente, como uma paixão avassaladora, uma ótima oportunidade de trabalho ou ganho financeiro, uma torta saudável que você resolve comer três. Tudo para você não chegar perto da ansiedade do trauma. Quem tem impotência diante de alguma situação, brancos mentais em alguns momentos, quem não consegue lidar com determinados tipos de personalidades, quem não consegue avançar mesmo sabendo como, pode estar nas mãos desse malfeitor que mora dentro. 

Projetos e planos não bastam, se não conversarmos com essas defesas a vida será um ciclo vicioso, vivendo as mesmas coisas, aparentemente fazendo tudo de forma diferente, estaremos fadados a cometer os mesmos erros, voltar sempre para o mesmo lugar, mesmo que tenhamos empenhado tudo que temos na tentativa de que dessa vez seja diferente. 

Se quiser encontrar ou reeencontrar seu verdadeiro EU, que pode ter sido abduzido por algum trauma, precisa parar e pacientemente e diligentemente buscar alguém para te ajudar a chegar àquela dor, pois sozinho teu demônio vai perceber e te impedir de voltar lá, para tocar, assimilar e poder seguir adiante.

Luciana Sereniski
CRP 12!06912