Como tornar nossa Sombra Consciente

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Texto baseado no ensaio de Jung: “O casamento como relacionamento psicológico”


Embora com insight e boa vontade, a sombra possa  até certo ponto ser assimilada pela personalidade, a experiência demonstra que existem determinadas características que oferecem resistência ao controle moral e que se mostram praticamente impossíveis de serem influenciadas e portanto conscientizadas. Embora algumas características da sombra possam ser reconhecidas mais facilmente, algumas são muitos difíceis porque, no caso de uma relação amorosa, a causa da emoção está exatamente nessa outra pessoa. 

Quanto a sombra ainda, ela não comporta apenas aspectos negativos, ela é meramente inferior, primitiva, inadaptada e inábil, mas não completamente má. Contém até mesmo qualidades infantis ou primitivas que vitalizariam e embelezariam a existência humana, mas que são proibidas por convenções. Já se acreditou que a sombra é a origem de todo o mal, mas é possível afirmar que a pessoa inconsciente, ou seja, sua sombra, não consiste apenas de tendências meramente repreensíveis, mas exibe várias qualidades positivas como instintos normais, reações apropriadas, insights realistas, impulsos criativos, etc.

Para assimilá-la, tornar-se mais consciente de quem se é, e de suas capacidades, lembre a pior coisa que você já fez. Pense também naquilo que você gostaria de fazer e que nunca teve coragem, pelo que os outros diriam sobre. Esses são os dois lados da sombra.

Não existe uma técnica formal para assimilação da sombra, é sempre de forma muito individual. Primeiro precisa aceitar a sua existência, as coisas como estão. Existe um lado seu que não se parece nem um pouco com você, pelo menos com o “você” que você gostaria de ser, nem com o “você” que você quer que os outros vejam. Personifique sua sombra, dê-lhe um nome: Pedro, Teresa, qualquer um. Depois você precisa conhecer as qualidades e intenções da sua sombra, qual a aparência dela e o que ela quer. Se consegue isso prestando atenção às suas disposições de ânimo (para onde direciona sua atenção e pelo que se motiva) e suas fantasias. E então conversa com seu Pedro e sua Teresa, para descobrir aonde a energia deles quer ir. É isso que Jung chamava Imaginação Ativa. O processo de chegar a um acordo com o outro que existe em você é digno de mérito, porque através dele passamos a conhecer aspectos da nossa natureza que não gostaríamos que ninguém nos mostrasse e que nós mesmos jamais teríamos admitido possuir. Mas aí é o meu Pedro ou Teresa, fica mais fácil ir assimilando, já que Jung coloca que ninguém é Um Só. Não podemos ignorar o nosso outro lado. 


Um exemplo, mostra na prática como a sombra se apresenta. 


“Quando minha sobrinha se casou , pediram-me que fizesse um brinde à noiva com o usual discurso. Eu gostava do rapaz com quem ela estava se casando, mas não conseguia entender por que ela também gostava. Ela era bastante convencional, e ele era tudo, menos isso. Nunca tivera um emprego fixo, passava o tempo bebendo com os amigos e planejando sua próxima grande jogada. Um grande trapaceiro, é o que ele era. Eu sabia de tudo, mas não podia fazer nada, a escolha era dela.

Estava com meu discurso preparado, eu disse as coisas costumeiras a respeito de quando ela era criança e da moça formidável que era agora. E de repente sem mais nem menos, dei comigo dizendo coisas nada agradáveis a respeito de seu marido. Que ele era um bandido mal disfarçado, um elemento importante do tráfico local de drogas, que seu maior desejo era ter uma esposa com um salário fixo, que ele nunca seria nada na vida, e assim por diante.

Fingi que tudo era uma piada, mas não consegui me sair muito bem. Os pais dela ficaram boquiabertos. Minha sobrinha deixou a coisa passar e seu marido levou a coisa na brincadeira, mas não consegui dormir naquela noite.

Como pude eu, um perfeito cavalheiro, sempre educado e preocupado em fazer a coisa certa, fazer exatamente o oposto? A resposta está na minha sombra. Enquanto eu me preocupo em transmitir uma boa imagem, como faz a maioria, ela não dá a mínima para isso. 

Essa não foi a primeira vez que minha sombra manifestou suas ideias. Num dos meus livros conto como ela despejou uma tigela de salada na cabeça de uma senhora. E outra vez ela falou tudo que queria numa entrevista de emprego. De certa maneira, ela é mais confiável do que eu, pois dois anos depois desse casamento, o marido de minha sobrinha foi embora, deixando-a com um filho, e uma pilha de contas à pagar, inclusive me devendo dinheiro."

Vejam bem. Quando ficamos arrogantes, achando que somos os donos do mundo, a sombra nos traz de volta à terra deixando-nos completamente arrasados. Quanto mais nos orgulhamos de ser civilizados, educados e racionais, mais imperioso se torna o impulso explosivo de dizermos ou fazermos algo que reflita como realmente nos sentimos. Isso é a SOMBRA. Até que a percebamos. À partir daí, quando reconhecemos sua presença, ela se torna um aspecto consciente da nossa personalidade. Isso é assimilar a sombra, fazer com que aquilo que estava no inconsciente se agregue à consciência e de lá desapareça.

Luciana Sereniski
CRP 12/06912

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