Relacionamento

Como se relaciona, uma mulher Hera

21:03


A mulher que tem personalidade tipo Hera, ou seja, as características da deusa, esposa de Zeus, é aquela que tem a expectativa de que o homem a preencherá. É a mulher atraída pelo homem de sucesso, competente, da alta classe social ou de família com destaque. As mulheres tipo Hera não se interessam pelos idealistas, os que lutam por causas ou, os que fazem o estilo intelectual, mas sem dinheiro ou poder. 

A questão é que esses homens poderosos, na sua maioria, escondem um elemento juvenil, certa imaturidade e pouca empatia. E essa imaturidade é a responsável por sua busca de variedade, mais do que profundidade, com as mulheres. E traição é coisa que mulher Hera não consegue tolerar, chegando a desenvolver depressão profunda e crises psicóticas. Esse tipo de homem aprecia a exposição de seu poder e não pensará duas vezes se houver a possibilidade de elevar seu ego, conquistando outras. Conquistar é poder para eles, seja mulher, dinheiro, posição. Para este perfil de homem, a mulher raramente será a relação mais importante de suas vidas.

E a mulher tipo Hera, evita confrontar, portanto suporta calada. Apesar de ser a deusa do casamento, a deusa esposa, provavelmente esse tipo de personalidade é a que mais sofre nas mãos dos homens, que mais aceita ser ferida, embora seja especialmente cruel e vingativa. Não com ele, com as outras.

Mulher Hera e Zeus dominador e paquerador foi o modelo até nossas bisavós, avós. Para ela o sexo vem junto com o amor, mas normalmente depende do marido para despertá-la sexualmente. A ideia de sexo submisso surgiu provavelmente com Hera.

O estado de felicidade de Hera depende da devoção de seu marido. Se com ele estiver tudo bem, então, não há problemas. Mas essa devoção, atualmente, inclui o marido que aprecia e valoriza a mulher quando ela também tem seu sucesso profissional e nesse caso, a relação tem mais chances de trazer alegrias ao casal. 

Mas, esse padrão faz jus a muitos casamentos de fachada. O homem casa com a mulher ideal: educada, bem vestida, da sua classe social, algumas que até os ajudam em negócios não idôneos, mas, no seu mundo secreto, nem tão secreto assim, eles continuam com as conquistas, reforçando sua imaturidade. 

A questão é que para eles, Hera é uma mulher segura. Entre todas as deusas ela seria a última a pedir a separação ou divórcio, preferindo ser abusada a perder o lugar "conquistado", ou melhor dizendo, “suportado”. E, ainda que eles se separem, ela sempre se reconhecerá como a oficial, a legítima, e esnobará as outras.

Mas há sim a possibilidade de Hera ser feliz e amada no casamento, ao contrário da deusa. O que ela precisa é despertar uma Afrodite, ou uma Atenas para caminhar junto. Assim ela tem a capacidade de sedução e também o poder, exatamente o que eles vão buscar lá fora. 

Com certeza passou pela cabeça de vocês que ela deveria trocar de marido. Até poderia porque há Zeus e Zeus, mas a atração, enquanto outra deusa não for desenvolvida, será sempre por homens que no final iriam feri-la. E ser humano algum merece ou deve precisar sentir dor.

Luciana Sereniski
CRP 12/06912

Relacionamento

Como se relaciona, uma Mulher Afrodite

14:23


As mulheres Afrodites tendem para os homens que não são muito bons para relacionamentos ou para elas. Se outra deusa não vive na mulher, junto com Afrodite, e influenciam sua escolha, eles terão características semelhantes a ela: criativos, complicados, mal-humorados ou emotivos. Não são homens com disposição para ambição, responsabilidade como a de marido, pai, chefe. 

Se ela escolhe um tipo Hefesto, um dos maridos da deusa Afrodite, que diziam ser feio, mal-humorado; lembrando que uma Afrodite raiz não tem a preocupação com o dinheiro, mas com o prazer, a beleza, o amor; a mulher viverá uma relação de pouca intimidade, pois o homem tipo Hefesto se sente inferior e vive alienado na relação, pois não confia nas mulheres, já que foi um deus rejeitado pelos pais. Como um tipo Hefesto normalmente é introvertido, não participa de situações sociais, e isso impede o exibicionismo de Afrodite, que acaba se sentindo apagada. A Afrodite na mulher é a que faz com que o homem Hefesto venha a se sentir atraente, e isso desperta nele uma chama que ele não encontrava dentro de si sem a presença dela, fazendo com que ele no início faça ela se sentir especial, mas por seu sentimento de inferioridade com o tempo se volta contra as características dela, as mesmas que o atraiu. Se ele conseguir manter seu ciúmes dominado e seu sentimento de inferioridade acomodado, ele é capaz de fazer ela se sentir a última bolachinha do pacote e isso proporciona a estabilidade que uma Afrodite necessita. 

Outro homem que atrai Afrodite é o tipo Ares, um homem que também vem de conflitos com os pais, criado por uma mãe amargurada, o que dá a Afrodite poder, pois se sente melhor do que a que o gerou, e por um pai que o abandona. O deus Ares é o deus da guerra, é tumultuoso, tem comportamento machista, mas por ter faltado o pai disciplinador e ser criado pela mãe se torna mais emotivo, apaixonado. É também impaciente, e não se mostra um bom líder. Juntos, Ares e Afrodite soltam faísca e às vezes colocam fogo em tudo. Química pura. Mas juntos também são instáveis, imprudentes, e possessivos, o que no caso dele pode afetar sua masculinidade e causar explosões, violência, ou no mínimo brigas constantes e aquele vai e vem, jogo de sedução que muito repetitivo, cansa. Podem dar certo, se, mesmo tendo comportamentos de Ares, o homem foi criado numa família mais organizada, isso o tornaria menos hostil e se a mulher Afrodite também tem em si uma Hera, mãe de Ares, e a capacidade de criar laços mais duradouros com ele.

Homens jovens também estão no radar de uma Afrodite, já que beleza e juventude são seus focos, mas esses podem vir acompanhados de imaturidade, algumas vezes portar comportamentos de trapaceiros, aquele que adora passar a perna nos outros. Um homem com grande potencial, talentoso, mas indisciplinado, que ganha a coisa toda no carisma, no jeitinho. Esse comportamento descomprometido também atinge a relação entre eles e a dificuldade de se comprometer dele. É o tipo deus Hermes, um dos que se relacionaram com a deusa, o homem tipo Peter Pan, não amadurece, ou se o faz, é muito tarde para a relação. Embora, pode ser uma masturbação constante a relação dos dois, já que ela também não É a deusa que melhor sabe amadurecer. Ambos machucam a necessidade de exibicionismo e importância que possuem. Por isso não é anormal dentro dessa união haver flertes, traições ou acordos de uma relação aberta. Isso pode fazer a relação durar bem mais, pois se compreendem.

Agora, se uma mulher Afrodite decide se casar e não tem outra deusa que a influencie, dentro de si, ela pode viver muitos casamentos, e todos ela relatará que encontrou o amor de sua vida e os viverá intensamente. Ou seja, ou uma mulher desenvolve outras deusas, como Hera, Deméter, Héstia, ou dificilmente ela completará uma boda com seu amado.  

Luciana Sereniski

CRP 12/06912


Estudos Junguianos

#A Mulher e a Bruxa interior - Conto: Vasalisa, a Sabida

11:40


Era uma vez, e não era uma vez, uma jovem mãe que jazia no seu leito de morte, com o rosto pálido como as rosas brancas de cera na sacristia da igreja dali de perto. Sua filhinha e seu marido estavam sentados aos pés da sua velha cama de madeira e oravam para que Deus a conduzisse em segurança até o outro mundo.

A mãe moribunda chamou Vasalisa, e a criança de botas vermelhas e avental branco ajoelhou-se ao lado da mãe.

— Essa boneca é para você, meu amor — sussurrou a mãe, e da coberta felpuda ela tirou uma bonequinha minúscula que, como a própria Vasalisa, usava botas vermelhas, avental branco, saia preta e colete todo bordado com linha colorida.

— Estas são as minhas últimas palavras, querida — disse a mãe. — Se você se perder ou precisar de ajuda, pergunte à boneca o que fazer. Você receberá ajuda. Guarde sempre a boneca. Não fale a ninguém sobre ela. Dê-lhe de comer quando ela estiver com fome. Essa é a minha promessa de mãe para você, minha bênção, querida. — E, com essas palavras, a respiração da mãe mergulhou nas profundezas do seu corpo, onde recolheu sua alma, e saiu correndo pelo lábios; e a mãe morreu.

A criança e o pai choraram sua morte muito tempo. No entanto, como o campo arrasado pela guerra, a vida do pai voltou a verdejar por entre os sulcos e ele desposou uma viúva com duas filhas. Embora a nova madrasta e suas filhas fossem gentis e sorrissem como damas, havia algo de corrosivo por trás dos sorrisos que o pai de Vasalisa não percebia.

Realmente, quando as três estavam sozinhas com Vasalisa, elas a atormentavam, forçavam-na a lhes servir de criada, mandavam-na cortar lenha para que sua pele delicada se ferisse. Elas a detestavam porque Vasalisa tinha uma doçura que não parecia deste mundo. Ela era também muito bonita. Seus seios eram fartos, enquanto os delas definhavam de maldade. Ela era solícita e não se queixava, enquanto a madrasta e as duas filhas eram, entre si mesmas, como ratos no monte de lixo à noite.

Um dia a madrasta e suas filhas simplesmente não conseguiam mais aguentar Vasalisa.

— Vamos… combinar de deixar o fogo se apagar e, então, vamos mandar Vasalisa entrar na floresta para ir pedir fogo para nossa lareira a Baba Yaga, a bruxa. E, quando ela chegar até Baba Yaga, bem, a velha irá matá-la e comê-la. — As três bateram palmas e guincharam como animais que vivem na escuridão.

Por isso, naquela noite, quando Vasalisa voltou para casa depois de catar lenha, a casa estava completamente às escuras. Ela ficou muito preocupada e falou com a madrasta.

— O que aconteceu? Como vamos fazer para cozinhar? O que vamos fazer para iluminar as trevas?

— Sua imbecil — reclamou a madrasta. — É claro que não temos fogo. E eu não posso sair para o bosque devido à minha idade. Minhas filhas não podem ir porque têm medo. Você é a única que tem condições de sair floresta adentro para encontrar Baba Yaga e conseguir dela uma brasa para acender nosso fogo de novo.

— Ora, está bem — respondeu Vasalisa inocente. — É o que vou fazer. — E foi mesmo. A floresta ia ficando cada vez mais escura, e os gravetos estalavam sob seus pés, deixando-a assustada. Ela enfiou a mão bem fundo no bolso do avental e ali estava a boneca que a mãe ao morrer lhe havia dado.

— Só de tocar nessa boneca, já me sinto melhor — disse Vasalisa, acariciando a boneca no bolso.

A cada bifurcação da estrada, Vasalisa enfiava a mão no bolso e consultava a boneca. “Bem, eu devo ir para a esquerda ou para direita?” A boneca respondia “Sim”, “Não”, “Para esse lado” ou “Para aquele lado”. E Vasalisa dava à boneca um pouco de pão enquanto ia caminhando, seguindo o que sentia estar emanando da boneca.

De repente, um homem de branco num cavalo branco passou galopando, e o dia nasceu. Mais adiante, um homem de vermelho passou montado num cavalo vermelho, e o sol apareceu. Vasalisa caminhou e caminhou e, bem na hora em que estava chegando ao casebre de Baba Yaga, um cavaleiro vestido de negro passou trotando e entrou direto no casebre. Imediatamente fez-se noite. A cerca feita de caveiras e ossos ao redor da choupana começou a refulgir com um fogo interno de tal forma que a clareira ali na floresta ficou iluminada com uma luz espectral.

Ora, Baba Yaga era uma criatura muito temível. Ela viajava, não num coche, nem numa carruagem, mas num caldeirão com o formato de um graal que voava sozinho. Ela remava esse veículo com um remo que parecia um pilão e o tempo todo varria o rastro por onde passava com uma vassoura feita do cabelo de alguém morto há muito tempo.

E o caldeirão veio voando pelo céu, com o próprio cabelo sebento de Baba Yaga na esteira. Seu queixo comprido curvado para cima e seu longo nariz era curvado para baixo de modo que os dois se encontravam a meio caminho. Baba Yaga tinha um ínfimo cavanhaque branco e verrugas na pele adquiridas de seus contatos com sapos. Suas unhas manchadas de marrom eram grossas e estriadas como telhados, e tão compridas e recurvas que ela não conseguia fechar a mão.

Ainda mais estranha era a casa de Baba Yaga. Ela ficava em cima de enormes pernas de galinha, amarelas e escamosas, e andava de um lado para o outro sozinha. Ela às vezes girava e girava como uma bailarina em transe. As cavilhas nas portas e janelas eram feitas de dedos humanos, das mãos e dos pés e a tranca da porta da frente era um focinho com muitos dentes pontiagudos.

Vasalisa consultou sua boneca. “É essa casa que procuramos?” E a boneca, a seu modo, respondeu: “É, é essa a que procuramos.” E antes que ela pudesse dar mais um passo. Baba Yaga no seu caldeirão desceu sobre Vasalisa, aos gritos.

— O que você quer?

— Vovó, vim apanhar fogo — respondeu a menina, estremecendo. — Está frio na minha casa… o meu pessoal vai morrer… preciso de fogo.

— Ah, sssssei — retrucou Baba Yaga, rabugenta. — Conheço você e o seu pessoal. Bem, criança inútil… você deixou o fogo se apagar. O que é muita imprudência. Além do mais, o que a fez pensar que eu lhe daria a chama?

— Porque eu estou pedindo — respondeu rápido Vasalisa depois de consultar a boneca.

— Você tem sorte — ronronou Baba Yaga. — Essa é a resposta certa.

E Vasalisa se sentiu com muita sorte por ter acertado a resposta. Baba Yaga, porém, a ameaçou.

— Não há a menor possibilidade de eu lhe dar o fogo antes de você fazer algum trabalho para mim. Se você realizar essas tarefas para mim, receberá o fogo. Se não…

— E nesse ponto Vasalisa viu que os olhos de Baba Yaga de repente se transformavam em brasas. — Se não, minha filha, você morrerá.

E assim Baba Yaga entrou pesadamente no casebre, deitou-se na cama e mandou que Vasalisa lhe trouxesse a comida que estava no forno. No forno havia comida suficiente para dez pessoas, e a Yaga comeu tudo, deixando uma pequena migalha e um dedal de sopa para Vasalisa.

— Lave minha roupa, varra a casa e o quintal, prepare minha comida, separe o milho mofado do milho bom e certifique-se de que tudo está em ordem. Volto mais tarde para inspecionar seu trabalho. Se tudo não estiver pronto, você será meu banquete.

E com isso a Baba Yaga partiu voando no seu caldeirão com o nariz lhe servindo de biruta e o cabelo, de vela. E anoiteceu novamente.

Vasalisa voltou-se para a boneca assim que a Yaga se foi.

— O que vou fazer? Vou conseguir cumprir as tarefas a tempo?

A boneca disse que sim e recomendou que ela comesse algo e fosse dormir. Vasalisa deu algo de comer à boneca também e adormeceu.

Pela manhã, a boneca havia feito todo o trabalho, e só faltava preparar a refeição. À noite, a Yaga voltou e não encontrou nada por fazer. Satisfeita, de certo modo, mas irritada por não conseguir encontrar nenhuma falha, Baba Yaga zombou de Vasalisa.

— Você é uma menina de sorte.

Ela, então, convocou seus fiéis criados para moer o milho, e três pares de mãos apareceram em pleno ar e começaram a raspar e esmagar o milho. Os resíduos pairavam no ar como uma neve dourada. Finalmente, o serviço terminou, e Baba Yaga se sentou para comer. Comeu horas a fio e deu ordens a Vasalisa para que no dia seguinte limpasse a casa, varresse o quintal e lavasse a roupa.

— Naquele monte de estrume — disse a Yaga, apontando para um enorme monte de estrume no quintal — há muitas sementes de papoula, milhões de sementes de papoula. Amanhã quero encontrar um monte de sementes de papoula e um monte de estrume, completamente separados um do outro. Compreendeu?

— Meu Deus, como vou fazer isso? — exclamou Vasalisa, quase desmaiando.

— Não se preocupe, eu me encarrego — sussurrou a boneca, quando a menina enfiou a mão no bolso.

Naquela noite, Baba Yaga adormeceu roncando, e Vasalisa tentou… catar… as… sementes de papoula… do… meio… do… estrume.

— Durma agora — disse-lhe a boneca, depois de algum tempo. — Tudo vai dar certo.

Mais uma vez, a boneca executou todas as tarefas e, quando a velha voltou, tudo estava pronto.

— Ora, ora! Que sorte a sua de conseguir acabar tudo! — disse Baba Yaga, falando sarcástica pelo nariz. Ela chamou seus fiéis criados para prensar o óleo das sementes, e novamente três pares de mãos apareceram e cumpriram a tarefa.

Enquanto a Yaga estava besuntando os lábios na gordura do cozido, Vasalisa ficou parada por perto.

— E aí, o que é que você está olhando? — perguntou Baba Yaga, de mau humor.

— Posso lhe fazer umas perguntas, vovó? — perguntou Vasalisa.

— Pergunte — ordenou a Yaga —, mas lembre-se, saber demais envelhece as pessoas antes do tempo.

Vasalisa perguntou quem era o homem de branco no cavalo branco.

— Ah — respondeu a Yaga, com carinho. 
— Esse primeiro é o meu Dia.

— E o homem de vermelho no cavalo vermelho? 

— Ah, esse é o meu Sol Nascente.

— E o homem de negro no cavalo negro?

— Ah, sim, esse é o terceiro e ele é a minha Noite.

— Entendi — disse Vasalisa.

— Vamos, vamos, minha criança. Não quer me fazer mais perguntas? — sugeriu a Yaga, manhosa.

Vasalisa estava a ponto de perguntar sobre os pares de mãos que apareciam e desapareciam, mas a boneca começou a saltar dentro do bolso e, em vez disso, Vasalisa respondeu.

— Não, vovó. Como a senhora mesma diz, saber demais pode envelhecer a pessoa antes da hora.

— É — disse a Yaga, inclinando a cabeça como um passarinho —, você é muito ajuizada para a sua idade, menina. Como conseguiu isso?

— Foi a bênção da minha mãe — disse Vasalisa, com um sorriso.

— Bênção!? — guinchou Baba Yaga. — Bênção?! Não precisamos de bênção nenhuma aqui nesta casa. É melhor você procurar seu caminho, filha. — E foi empurrando Vasalisa para o lado de fora. — Vou lhe dizer uma coisa, menina. Olhe aqui! — Baba Yaga tirou uma caveira de olhos candentes da cerca e a enfiou numa vara. — Pronto! Leve esta caveira na vara até sua casa. Isso! Esse é o seu fogo. Não diga mais uma palavra sequer. Só vá embora.

Vasalisa ia agradecer à Yaga, mas a bonequinha no fundo do bolso começou a saltar para cima e para baixo, e Vasalisa percebeu que devia só apanhar o fogo e ir embora. Ela voltou correndo para casa, seguindo as curvas e voltas da estrada com a boneca lhe indicando o caminho. Era noite, e Vasalisa atravessou a floresta com a caveira numa vara, com o brilho do fogo saindo pelos buracos dos ouvidos, dos olhos, do nariz e da boca. De repente, ela sentiu medo dessa luz espectral e pensou em jogá-la fora, mas a caveira falou com ela, insistindo para que se acalmasse e prosseguisse para a casa da madrasta e das filhas.

Quando Vasalisa ia se aproximando da casa, a madrasta e suas filhas olharam pela janela e viram uma luz estranha que vinha dançando pela mata. Cada vez chegava mais perto. Elas não podiam imaginar o que aquilo seria. Já haviam concluído que a longa ausência de Vasalisa indicava que ela a essa altura estava morta, que seus ossos haviam sido carregados por animais, e que bom que ela havia desaparecido!

Vasalisa chegava cada vez mais perto de casa. E quando a madrasta e suas filhas viram que era ela, correram na sua direção dizendo que estavam sem fogo desde que ela havia saído e que, por mais que tentassem acender um, ele sempre se extinguia.

Vasalisa entrou na casa, sentindo-se vitoriosa por ter sobrevivido à sua perigosa jornada e por ter trazido o fogo para casa. No entanto, a caveira na vara ficou observando cada movimento da madrasta e das duas filhas, queimando-as por dentro. Antes de amanhecer, ela havia reduzido a cinzas aquele trio perverso.

Interpretação:

Vasalisa é a história da iniciação da Mulher. Ser iniciada significa que a Mulher recorre a sua intuição e aos seus instintos para farejar a verdade de tudo, que se utiliza dos seus sentidos para ver o que há de ser visto, para conhecer o que precisa ser conhecido, e para guardar seu fogo criativo, assim como para ter a compreensão dos ciclos da vida. Ela sabe quando algo precisa morrer e quando alguma coisa vai nascer. Resumidamente essa história, ou conto, como preferir, mostra os passos para acessar o poder instintivo básico da Mulher: a Intuição. 

A análise Junguiana do conto está baseada no livro: Mulheres que correm com os Lobos de Clarissa Èstes. 

A história é a transmissão da bênção do poder da intuição das mulheres de mãe para filha, de uma geração à outra. O poder da intuição faz com que percebamos as coisas como um raio e é composta de visão interior, audição interior, percepção interior e conhecimento interior.

Esse poder intuitivo foi enterrado nas mulheres por gerações a fio, mas segundo Jung nada jamais se perde na psique, portanto tudo que estiver encoberto poderá voltar a ser exposto.

Para a compreensão do conto vamos considerar que todos os personagens representam a psique de uma única mulher. O processo de iniciação é representado pelo cumprimento de certas tarefas, nesse caso foram nove (9). Com o cumprimento de todas a Intuição é reinstalada na Mulher. Vamos a análise das tarefas.


Primeira Tarefa: Permitir a morte da mãe-boa-demais

A primeira tarefa pede que deixemos morrer em nós aquela parte da psique que parecia nos proteger de tudo, que era boa demais, talvez ingênua demais para enxergar a próxima fase. Devemos permitir a saída daquele lugar em nós que tinha medo do mundo lá fora, que precisava de uma proteção. É tempo de ir para o mundo e acreditar que vai conseguir se cuidar sozinha. Se realizamos isso por consciência será mais fácil, se não for assim, o processo vai acontecer da mesma forma, mas nos empurrando para fora, e com dor. 

O que não sabemos é que essa parte nossa boa demais, nossa mãe boa demais, não é exatamente o que pensamos que ela fosse. Por trás dessa protetora tem uma Mãe Selvagem que se esconde e no conto é simbolizada pela boneca dada a filha, antes de morrer. 

O primeiro momento onde essa mudança acontece é no início da adolescência. E meninas que passaram por problemas psicológicos no início da vida, quando a mãe não foi suficientemente boa ou presente, infelizmente farão apenas parte dessa transição e ficarão vagueando anos a fio na busca de completar seu processo, perdidas por aqui e por ali. Também pode não acontecer corretamente com as meninas em que as mães são como ervas daninhas superprotegendo suas filhas. Essas meninas se tornam tímidas para entrar na grande mata da vida sozinhas. Ou seja, é necessário para o desenvolvimento adequado da Intuição que tenha havido uma mãe protetora na infância até a adolescência. Uma retomada da investigação de si mesma irá restabelecer a intuição profunda. 

A iniciação de Vasalisa começa quando ela aprende a deixar morrer o que precisa morrer: os valores e atitudes que não mais a sustentam, aquelas dogmas que deixam a vida segura, que nos superprotegem. Nos dias atuais podem ser nossas posições e crenças políticas, religiosas, em determinadas instituições, nas pessoas e crenças que nos foi informada quando ainda éramos infantis e que de certa forma nos protegeram, mas que não precisam existir nessa nova etapa, onde o cuidado precisa ser realizado por nós mesmas. Uma forma de aguçar os poderes intuitivos é a mulher fixar um objetivo para si e se dispor a alcançar, correndo os riscos.

Uma mãe deve ajudar seu filho a sair da barra de sua saia, mostrando os dentes, assim como a mãe loba que é superprotetora e terna quando seus filhotes são bebês, mostra-lhes os dentes quando os ensina caçar, a procurar alimentos, mostrando que precisam conseguir e não podem desistir. 

A mãe-boa-demais nos impede que as energias intensas venham à tona, mantém sim seu filho no mundo seguro, mas também o transforma num ser medroso. 

Essa mãe-boa-demais não precisa morrer apenas uma vez na vida. Constantemente vivemos situações que precisam morrer inteiras ou apenas partes, para que a intuição nos pertença. Algumas vezes deixar uma relação ou trabalho que não nos desenvolve mais, apesar de dolorido, pode ser um brilhante portal que dará acesso a esse grande poder. 

Algo que precisa ficar muito claro, se ficarmos muito tempo fundidos com a mãe-boa-demais, nossa vida e nossos talentos expressivos recuam para a sombra, e definhamos ao invés de nos fortalecermos. E mais, não espere estar pronta para deixar esse lugar de aconchego. Nunca se está. Precisamos caminhar na incerteza e até com medo em direção ao desconhecido. Precisamos mergulhar e ficar sem saber o que vem depois. Essa é a única atitude que recupera a natureza instintiva. Largar a teta e aprender a caçar. Há uma mãe selvagem que aguarda. 


Segunda Tarefa: Denunciar a natureza sombria

Nessa fase é que a família e a madrasta má entram na vida de Vasalisa. E as tarefas desse período são: aprender ainda com mais conscientização a largar a mãe positiva. Descobrir que ser boazinha, simpática, gentil não fará a vida florir. Deve-se vivenciar a própria natureza sombria - seu próprio ciúmes, inveja, aspectos exploradores e rejeitadores do Self (a madrasta e suas filhas). Incorporar esses aspectos. Criar o melhor relacionamento possível com as piores partes de si mesma. Deixar acumular a tensão entre quem se aprendeu a ser e quem se é realmente. Enfim, focar bastante em deixar morrer o velho self, para que nasça o self intuitvo. 

A madrasta e suas filhas são aspectos perversos da psique, são elementos sombrios, são os aspectos que o ego rejeita, portanto vão parar na sombra. Só que ao impedir aspectos negativos da sombra, também se impede talentos da mulher que também foram empurrados para as trevas. E permitir o reconhecimento do material negativo é positivo no sentido de que podemos identificá-los, saber as fontes e isso nos torna mais fortes e cada vez mais inteiras. 

A madrasta e as filhas são um obstáculo perverso na vida de Vasalisa, mas só porque ela ainda não tem consciência plena do seu poder. E para que ela perceba isso, algo revigorante precisa acontecer. A madrasta que existe em nós insiste em nos dizer que não valemos muito, se concentra em nos mostrar nossas falhas, não percebendo a crueldade que está fazendo conosco. Mas isso é revigorante, pois para perceber o que se está oculto é exigido foco, atenção, concentração e a intuição vai aflorando.

Podemos ter sido ensinadas a ser gentis ao invés de espertas, a deixar o insight de lado para não criarmos problemas. Contudo quanto mais somos boazinhas, em situações repressoras, mais somos maltratadas. Embora a mulher sinta que, se for ela mesma, estará se afastando dos outros, é exatamente essa tensão psíquica que é necessária para criar alma e promover mudanças.

Mulheres que ficam tentando provar seu valor para a madrasta má, as megeras enciumadas, na realidade acabam impedindo sua iniciação. Vasalisa realiza os serviços domésticos e aguenta sua rotina sem se queixar, mas a pressão dentro de si para ser dona do próprio destino aumenta mais e ela precisa dar os seguintes passos. Ela precisa ir ao encontro da Grande Megera Selvagem porque ela precisa de um bom susto. Ela não pode continuar servindo de saco de pancadas para todos. As mulheres que tentam tornar invisíveis seus sentimentos mais profundos estão se entorpecendo. A luz se extingue. Mas também pode ser ver a chama se acabar que dê o susto necessário e faça com que a mulher prossiga no caminho, orientada por seus conhecimentos interiores.


Terceira Tarefa: Navegar nas trevas

Nessa fase as tarefas psíquicas são: consentir em penetrar na floresta (o lugar de iniciação profunda), e começar a experimentar o sentimento numinoso e aparentemente perigoso de estar imersa no poder intuitivo. Aprender a ser sensível ao que o inconsciente aponta e confiar no que os próprios sentidos interiores dizem. Aprender o caminho de volta para a casa da Mãe Selvagem (obedecendo a boneca). Aprender a nutrir a intuição (alimentar a boneca). Deixar que a mocinha frágil e ingênua morra ainda mais. Transferir o poder para a boneca, ou seja, para a intuição. 

A boneca de Vasalisa pertence às provisões da velha Mãe Selvagem. A boneca representa a força da vida instintiva que tanto é feroz quanto resistente. Não importa o problema que estamos enfrentando, ela leva uma vida oculta dentro de nós.

A boneca representa o espírito interior das mulheres: a voz da razão, do conhecimento e da conscientização íntima. Ela é como o passarinho dos contos de fadas que vem sussurrar no ouvido da heroína. Ele é quem revela o inimigo oculto e a atitude certa a tomar diante da situação. 

Não há bênção maior que uma mãe pode dar a sua filha do que uma confiança na veracidade da sua própria intuição. A intuição é a verdadeira voz da alma, ela prevê a direção mais benéfica a seguir, capta os motivos e intenções subjacentes e opta pelo que irá provocar o mínimo de fragmentação na psique. A intuição muda a diretriz da mulher de uma atitude de “o que será, será” para uma de “quero ver tudo que há para ser visto”. 

O que a intuição selvagem faz pelas mulheres? A mulher assume uma consciência animal astuta e mesmo premonitória, que aprofunda sua feminilidade e aguça sua capacidade de se movimentar com confiança no mundo exterior. 

Vasalisa nessa fase está no escuro, na mata e não pode fazer mais nada a não ser prestar atenção à voz interior que provém da boneca. Ela está aprendendo a confiar nesse relacionamento, e também a alimentar a boneca.

Como alimentamos a boneca no nosso dia a dia? Ela se alimenta de vida quando nós prestamos atenção à ela. Nutrimos nosso self intuitivo quando prestamos atenção à ele e agimos de acordo com sua orientação. A intuição é como um músculo, se não a usamos, ela atrofia. 

Algumas perguntas que só a intuição pode responder corretamente: “Devo ir para esse lado ou para outro?” “Devo ficar ou partir?” Devo resistir ou ser flexível?” “Devo fugir disso ou ir na sua direção?” “Essa pessoa, esse acontecimento, essa empreitada, é verdadeira ou falsa?”

Quando a intuição parece nunca ter existido na mulher, que ela não pense que ela está destruída. Apenas não foi transmitida a confiança intuitiva de mãe para filha. Ou a transmissão em consequência de algum rompimento nesse processo foi fraca. Mas com exercício ela poderá se restaurar e se manifestar em sua plenitude. 


Quarta Tarefa: Encarar a Megera Selvagem

Nessa fase Vasalisa encontra a Megera Selvagem pessoalmente. As tarefas desse encontro são: ser capaz de suportar o rosto apavorante da Deusa Selvagem sem hesitar (encarar o que conseguir enxergar da verdade e suportar). Residir por um tempo na estranheza, no mistério (na casa da Baba Yaga). Adotar alguns dos seus valores, tornando-nas também um pouco estranhas. Aprender a encarar um poder enorme nos outros e subsequentemente nosso próprio poder. Permitir que a criança frágil e boazinha vá definhando ainda mais. 

Uma mulher pacata quando entra na casa da Baba Yaga precisa deixar sua menina, a boazinha, a certinha, a medrosa, a tímida e dançar como uma galinha maluca rodopiando de vez em quando. Sair do padrão. Sentir-se livre. O “excesso de normalidade” que na psicologia se chama personalidade normal nivelada, vai contaminando até que tenhamos uma vida rotineira e sem vida, sem que fosse essa a pretensão. Essa normalidade excessiva produz a falta de luz na psique. Por isso precisamos sair um dia mata adentro, procurando a mulher apavorante que mora dentro de nós, caso contrário chegará o dia em que seremos agarradas por algum ser inconsciente que nos jogará de um lado para outro como um trapo.

Baba Yaga é assustadora por ser ela própria o poder da aniquilação e o poder da força da vida ao mesmo tempo. Vasalisa está parada ali e aceita a divindade da mãe selvagem, com verrugas e tudo o mais. 

Baba Yaga embora faça ameaças, não fere Vasalisa enquanto ela demonstra respeito por ela, ela é justa. A atitude de respeito diante de um poder extremo é uma lição fundamental. A mulher precisa ser capaz de se manter diante do poder, porque em última análise alguma parte desse poder passará às suas mãos (trabalho de respeito que devemos manter pelos Complexos). Vasalisa não se apresenta a Baba Yaga se escondendo, mentindo, mas com honestidade, exatamente como ela é. É importante perceber que não se apresenta diante de um complexo com arrogância, e apesar de se posicionar com respeito, não se chega perto de ser submissão. É respeito, não medo. 

Nesse conto de Iniciação Baba Yaga é a mulher selvagem sob o disfarce de bruxa. A ogra, a bruxa, a natureza selvagem e quaisquer outras criaturas que a cultura considera apavorante nas psiques das mulheres são exatamente as bênçãos que elas mais precisam resgatar e trazer à superfície. 

Boa parte da literatura sobre o tema do poder das mulheres afirma que os homens têm medo desse poder. Se a mulher quer um dia que os homens venham a aprender a suportar esse poder das mulheres, sem sombra de dúvidas são as mulheres que primeiro precisam aprender a suportá-lo. 


Quinta Tarefa: Servir o não-racional

As tarefas psíquicas desse período são: ficar com a deusa Megera, aclimatar-se às imensas forças selvagens da psique feminina. Reconhecer o poder dela (o seu poder) e os poderes das purificações interiores; limpar, escolher, alimentar, criar energia e ideias (lavar as roupas da Yaga, cozinhar para ela, limpar sua casa e separar os elementos). 

No conto Yaga ensina Vasalisa como cuidar da casa psíquica do feminino selvagem. Lavar as roupas dela é um símbolo lendário. É um símbolo da limpeza e da purificação de toda a imagem da psique. Na mitologia, tecido é fruto do trabalho das mães da vida-morte-vida. Yaga encarrega Vasalisa de lavar sua roupa para que esse tecido, esses padrões da deusa da vida-morte-vida, venham à tona, à consciência. Ao lavá-lo, ela se modifica.

Lavar também simboliza, assim como no batismo impregnar a pessoa com uma força numinosa.

No conto lavar é repor em boas condições aquilo que perdeu a forma com o desgaste. 

Na psicologia Junguiana, os trajes representam a persona, uma camuflagem que permite que os outros só conheçam de nós aquilo que queremos. Mas a persona também é uma máscara por trás da qual a pessoa encobre a personalidade rotineira. Nesse sentido a persona é um indicador de hierarquia, virtude, caráter e autoridade. É o significante exterior, a manifestação exterior de comando. 

Ao purificar suas personas, o manto da autoridade, a iniciada Vasalisa verá como são feitas as costuras de seus próprios trajes. Logo ela terá um pouco dessas personas, que no caso dos trajes da Yaga são força e resistência.

A próxima tarefa, de varrer, nos ensina que precisamos manter nosso ambiente psíquico limpo de resíduos, organizado. A mulher consegue isso mantendo a cabeça limpa, o local de trabalho organizado para se dedicar a completar suas ideias e projetos. Não é suficiente se dedicar a varrer uma vez ao mês ou ao ano. Mas como falamos no varrer a casa da Yaga, estamos sugerindo que se organize constantemente as ideias incomuns, o místico, o amedrontador, ou esse espaço em nós que vai sendo esquecido acaba se transformando numa ruína arqueológica na psique. 

Agora é a vez de cozinhar para a bruxa. E para começar se acende o fogo. A mulher precisa estar disposta a arder, arder de paixão, arder com as palavras, com as ideias, com o desejo. Essa paixão que provoca o cozimento e as ideias significativas da mulher são o alimento que é preparado. Infelizmente muitas vezes na vida voltamos às costas para as panelas, ao fogão, esquecemos de acrescentar lenha, de mexer. O fogo exige atenção porque é fácil deixar que se apague. A Yaga precisa ser alimentada. E vai haver um barulho infernal, em nós, se ela sentir fome. 

Portanto é o cozimento de novas ideias, novos rumos, da dedicação à nossa arte e ao nosso trabalho que alimenta a alma selvagem permanentemente, que nutre a Selvagem e sustenta a nossa psique. Sem o fogo, tudo continua em nós, crus, e ficamos frustrados. E a mãe Selvagem exige muito alimento para realizar o trabalho intuitivo em nós. Ela não se alimenta de alface a café preto. 

Os ciclos das mulheres são: limpar o pensamento, eliminar as insignificâncias, varrê-las, purificar o estado de pensamento e sentimento regularmente, acender a fogueira criativa e cozinhar as ideias num ritmo sistemático e especialmente cozinhar muito, para manter um relacionamento entre nós mesmas e a natureza selvagem.

Vasalisa pelo tempo que passa com Yaga acaba incorporando algo do jeito e do estilo dela. E nós também.


Sexta Tarefa: Separar isso daquilo

Nessa fase as tarefas exigidas são mais difíceis: aprender a separar meticulosamente, a separar as coisas umas das outras com o melhor discernimento, aprender a fazer distinções sutis (ao escolher o milho mofado do milho são e ao selecionar as sementes de papoula de um monte de estrume). Observar o poder do inconsciente (os pares de mãos que aparecem no ar). Aprender mais sobre a vida (o milho) e a morte (as sementes de papoula).

A separação foi realizada pela intuição da boneca. Às vezes esse processo acontece num nível tão profundo que nem tomamos consciência. 

A separação de que fala essa história é daquela que precisamos na nossa rotina quando nos deparamos com uma pergunta ou dilema, mas as ideias não chegam. Se a deixamos em paz, se vamos dormir então a velha em nós de milhões de anos chega para nos visitar e traz a solução. 

O milho, o milho mofado, a semente de papoula e o estrume são todos remanescentes de uma antiga farmácia medicinal. Como metáfora aqui, eles são os remédios para a mente, são uma orientação simbólica. Ao separar coisas de natureza semelhante aprendemos a ser mais sutis e quando precisarmos diferenciar o amor verdadeiro do falso, ou a vida revigorante da vida desperdiçada, saberemos qual é. 

Todas essas tarefas estão transmitindo a Vasalisa ensinamentos sobre os ciclos. Podemos colocar energia no que vai nascer, sem atrapalhar o que precisa morrer. Cuidar de um jardim pode ser um excelente exercício para este aprendizado. 


Sétima Tarefa: Perguntar sobre os mistérios

Esse estágio pede perguntas: perguntar e tentar aprender mais a respeito da natureza da vida-morte-vida e de seu funcionamento. Aprender a verdade acerca da capacidade de compreender todos os elementos da natureza selvagem (saber demais pode envelhecer a pessoa antes do tempo).

Há uma quantidade determinada de coisas que todos deveríamos saber em cada idade e cada estágio de nossas vidas. Na história conhecer o significado das mãos que aparecem e espremem o óleo de milho e da semente de papoula, é querer saber demais. Vasalisa faz perguntas sobre os cavalos, mas não sobre as mãos. Vasalisa sabe quando é hora de parar de fazer perguntas. Tentar compreender algumas coisas é como tentar entender o âmago do numinoso. Precisamos nos prevenir de invocar em excesso a força numinosa. E isso é correto porque, embora visitemos o além, não queremos ficar extasiadas, e portanto, presas por lá. Não é preciso forçar nada, a compreensão virá. 

Com o término das tarefas, o legado as mães selvagens é aprofundado, e poderes intuitivos emanam tanto do lado humano quanto do lado espiritual da psique. Agora temos como mestres a boneca de um lado e a Yaga do outro.


Oitava Tarefa: De pé nas quatro patas

As tarefas desta parte da história são as seguintes: assumir um poder imenso de ver e afetar os outros (o recebimento da caveira). Ver as situações da própria vida com essa nova luz (descobrir o caminho de volta à família da madrasta).

Quando a mulher integra esse aspecto da Yaga, ela deixa de aceitar sem questionamento cada sugestão, cada farpa, qualquer coisa que lhe apareça pela frente. Para conquistar um distanciamento mínimo da carinhosa bênção da mãe-boa-demais, a mulher aos poucos vai aprender não só a olhar, mas a fixar os olhos e vigiar com atenção, e cada vez mais a não ter paciência com gente enfadonha. Tendo criado, através de sua experiência de servir à Yaga, uma capacidade interior que antes não possuía, Vasalisa recebe uma parte do poder selvagem da Deusa Megera. Algumas mulheres sentem medo que esse poder as torne desmioladas. Mas o que acontece é o contrário. A falta de intuição, a falta de sensibilidade para com os ciclos ou a negação a seguir o próprio conhecimento dão origem a escolhas que acabam se revelando infelizes e até desastrosas.

Com a psique instintiva da Yaga a mulher deve obedecer sua intuição. Se ela disser “Cuidado”, a mulher deve prestar atenção. Se disser “Faça isso, faça aquilo, vá por esse lado, pare aqui, siga em frente”, a mulher deve corrigir seus planos conforme seja apontado.

A caveira simboliza o conhecimento especial e atemporal depositado nos próprios ossos. Portanto ao receber a caveira acesa Vasalisa está ganhando uma sabedoria ancestral.

Nesta fase Vasalisa volta para casa com maior segurança, maior certeza, com a postura ereta, voltada para a frente. Essa é a subida a partir da iniciação da intuição profunda. 

Vasalisa agora conseguiu transpor as trevas ao ouvir a própria voz interior e foi capaz de suportar o rosto da Megera, que é um aspecto de sua própria natureza, mas também da poderosa natureza da Mulher Selvagem. Praticamente acaba-se o medo de enfrentar o que precisa ser enfrentado. 


Nona Tarefa: Reformular a Sombra

São as seguintes tarefas para este estágio: Usar a própria visão aguçada (olhos incandescentes) para reconhecer a sombra negativa da nossa própria psique e/ou os aspectos negativos das pessoas e acontecimentos do mundo exterior bem como para reagir a eles. Reformular as sombras negativas da própria psique com o fogo-da-megera (a perversa família da madrasta, que anteriormente torturava Vasalisa agora é reduzida a cinzas).

Vasalisa que era uma tolinha de olhos vidrados, é agora, trazendo a caveira incandescente à sua frente, uma mulher que anda com a força à sua frente. A caveira é uma representação da intuição, com a chama do conhecimento. Ela é a dona do seu próprio Self.

Vasalisa em algum momento sente medo desse poder, não é de surpreender que ocorra ao ego que é mais fácil, mais seguro livrar-se da chama com a luz ardente. No entanto uma voz sobrenatural de dentro da caveira recomenda que ela fique calma e siga em frente.

É mais fácil jogar a luz fora e ir dormir, é difícil ver nitidamente todos os nossos aspectos e dos outros, tanto os deformados, quanto os divinos, e não fazer nada. Com essa luz é possível ver o coração generoso por trás da má ação, pode-se vislumbrar um espírito delicado esmagado sob o ódio. Essa luz pode discriminar camadas das intenções e das motivações dos outros. Ela pode determinar o consciente e o inconsciente em nós mesmas e nos outros. É o espelho mágico no qual se pergunta tudo. É a profunda natureza. Mas algumas vezes essas informações são dolorosas e quase insuportáveis, pois a caveira aponta para o lugar onde se trama a traição, onde a coragem falta àqueles que dizem o contrário. Ela denuncia a inveja oculta, indica os olhares que são meras máscaras. 

A caveira não é generosa, sua função é a de ter plena visão.

Quando Vasalisa chega em casa a madrasta e as filhas lhe dizem que ficaram sem fogo, sem energia, enquanto ela esteve fora, que não importa o que fizessem não conseguiam acender. É exatamente o que acontece na psique da mulher quando ela está no poder selvagem. Nesse período, tudo o que a oprimia perde a libido. Ela foi totalmente gasta na boa viagem. Sem a libido os aspectos mais desagradáveis da psique, aqueles que exploram a vida criativa da mulher ou que a incentivam a desperdiçar seu tempo com insignificâncias ficam sem mãos. 

A caveira incandescente começa a fitar a madrasta e suas filhas com atenção e elas são reduzidas a cinzas. Uma observação importante aqui: um aspecto negativo da psique pode ser reduzido a cinzas só por ser alvo de observação constante. Quando privamos conscientemente algum aspecto psíquico da seiva, ele murcha e sua energia é liberada ou reformulada. 

Importante: Não podemos manter a conscientização adquirida se convivermos com seres cruéis interna ou externamente. Se estivermos cercados de pessoas que reviram os olhos demonstrando repulsa quando estamos por perto, quando falamos, agimos e reagimos, isso é sinal de que estamos com pessoas que abafam as paixões, as nossas e provavelmente as delas mesmas. A mulher deve escolher seus amigos e companheiros com prudência, pois podem vir a se tornar a madrasta e suas filhas em nossas vidas. 

Um companheiro não pode ser escolhido como um bufê, onde nos exibem o que tem, o que fizeram, não necessariamente o que desejamos. Escolher só porque é apetitoso e está á sua frente não irá satisfazer sua fome do Self da alma. Um companheiro deve ser procurado, talvez por um tempo, até encontrar o que se procura, e deve ser escolhido pelo profundo anseio da alma. Para isso que serve a intuição. Ela é a mensageira da alma. 

Mas não é só para escolhas aparentemente sérias que se usa a intuição. Usa-se também para o que parece banal: dou um passeio ou escrevo um poema?

Um dos aspectos interessantes da natureza instintiva desenvolvida é o surgimento de uma espontaneidade segura. Consegue-se isso calando o ego por algum tempo e deixando falar à vontade aquilo que deseja se expressar. 

Deixar morrer é o tema do final da história. Vasalisa aprendeu a lição. Ela caiu em crise histérica quando a caveira fez arder a madrasta e as filhas? As mulheres perversas que viviam dentro de si mesma? NÃO. O que deve morrer, morre.

Ela sabe quando é a hora da vida de algo e a hora da morte. Podemos tentar nos enganar, mas sabemos. 

Luciana Sereniski
CRP 12/06912