Relações Obsessivas no Casamento

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Percebe-se que, ao mesmo tempo em que se faz necessária a entrega, também é importante uma certa retenção, uma reserva, a preservação de uma “área silenciosa”, que retém a identidade, a individualidade. Todo casamento bem sucedido é um milagre. E milagres acontecem. Não estou me referindo a fatos considerados impossíveis, mas a acontecimentos especiais, plenamente possíveis, só que especiais. 

Consideremos um homem e uma mulher com raízes, educação e influências religiosas bem diferentes. Oriundos de famílias tão desiguais, apaixonam-se e resolvem se casar. Talvez, para a obtenção de um denominador comum nas diretrizes familiares, eles precisem ajustar suas aquisições individuais, plasmando os aprendizados particulares e criando uma nova forma de interpretar a vida. Erich Fromm dizia que o amor dá trabalho: “Ama-se aquilo que se trabalha, e trabalha-se pelo que se ama”, e certamente será preciso que tal casal dedique-se à construção dessa nova forma de pensar a vida, o que não será imediato, mas a partir de decisões e combinações verbais, fruto da convivência diária.

Tais ajustamentos ocorrerão na constância de cada conflito, de cada decisão, demandando algum tempo. Por essa razão, os casais precisam dar a si mesmos o “tempo de conhecimento e ajustamento”. Amar é aceitar o outro exatamente como é, o que não significa concordar com tudo o que o outro faz. A presença do amor verdadeiro, em ambos, facilitará o ajustamento. Amamos o outro pelo que de nós nele identificamos. Amamos o que de nós vemos no outro, como num espelho. 

Encantamo-nos com nossa própria imagem refletida no outro. A imagem do que somos, do que temos, do que idealizamos ser. A admiração, o encantamento e o apaixonar-se passam por esta complementação pelo qual ansiosamente esperamos, que buscamos em alguém. Amamos e nos encantamos com o que o outro pode nos dar em complemento ao que já temos ou já somos. O outro vem suprir ou completar nosso self. Na verdade se o outro não tem nada daquilo a que aspiramos, pelo menos nós supomos que tenha, senão não nos apaixonamos. Aqui a idealização faz-se presente quando sonho que este outro reúne qualidades por mim buscadas. 

Quando o casal não consegue preservar as individualidades, quando o apaixonamento significa perder o referencial próprio e derramar-se no outro na expectativa de que todas suas realizações venham do outro, que se torne a fonte neurótica de toda felicidade e motivação para viver, instalamos a relação obsessiva.

Tomemos como exemplo que a mulher tenha esse comportamento obsessivo. De alguma forma o marido desfruta dessa obsessão relacional. Ele alimenta a obsessão da esposa, mantendo até por anos a obsessão, essa forma de casamento, apesar de todas as perdas, sofrimentos, e desgastes que uma relação desse tipo proporciona. A obsessividade, portanto, é parte ativa e constante na vida desse casal. Ninguém é obsessivo sozinho. A relação se dá a dois.

Os relacionamentos obsessivos estão se tornando cada vez mais comuns e, muitas vezes, resultam em separação. Quando ambos são obsessivos, a união pode até durar mais tempo, pois há uma mútua alimentação dessa paixão doentia, mas, individualmente, cada qual, se torna mais infeliz, mais complicado, e agravam-se as patologias, até que a vida torna-se insuportável para os dois, que viverão em mútuas acusações, protagonizando brigas que podem chegar a sérias agressões. Às vezes esse processo louco de se relacionar pode culminar na eleição de bodes expiatórios, ‘inimigos’ fora da relação.

Os relacionamentos interpessoais, além de se configurarem como uma necessidade para o ser humano, também representam a própria essência do que significa ser pessoa.

A pessoa humana tem nas suas relações algo que caracteriza a essência, a humanidade de cada um de nós e nossa realização também se afirma na possibilidade de comunicação e troca.

Quando o relacionamento torna-se uma obsessão, constatamos a incapacidade de a pessoa obsessiva lidar com suas próprias angústias, dependendo da existência de um outro que funcione como “depósito” de suas frustrações e incapacidades. Principalmente a incapacidade de auto aceitação.

Quem não é capaz de se aceitar e se amar certamente não será capaz de aceitar o outro e amá-lo. Quando o mandamento bíblico aconselha que devemos amar o próximo como a nós mesmos, a interpretação imediata é que não devemos(ou que não seria razoável) amar o outro mais que a nós mesmos. De onde se conclui: se eu não sou capaz de me amar, como poderei amar outra pessoa?

Quando um relacionamento é doentio, o outro passa a ser uma droga. Não uma droga química, mas uma droga com a função de anestesiar a autopercepção e a possibilidade de livre ação pessoal. É a “droga relacional”.

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