Os homens pensam e julgam apenas como homens, as mulheres pensam e julgam apenas como mulheres, mas os fatos psicológicos mostram que todo ser humano é andrógino, o que significa que uma pessoa combina na sua personalidade tanto elementos masculinos quanto femininos. Calma. Já chegarei no quesito sofrimento.
Os médicos primitivos, os xamãs, possuíam um espírito protetor que os assistia na obra da cura. Quando o curandeiro era masculino, o espírito protetor era feminino e quando a curandeira era feminina o espírito protetor era masculino. Era a união desses dois aspectos que dava ao xamã a condição de curar a outros, sendo que também nesse tempo ele era visto como um sacerdote e se esperava que ele próprio fosse divino. Divindade essa que só era possível quando essa união com o feminino e masculino acontecia.
Jung chamou os opostos existentes no homem e na mulher, respectivamente, de anima e animus. O termo saído do latim significa animare, que quer dizer animar, avivar. A anima e o animus aparecem nos sonhos, nos contos de fadas, mitos, na literatura, e mais importante, nos variados fenômenos do comportamento humano. A anima e o animus são os PARCEIROS INVISÍVEIS, presentes em todos os relacionamentos humanos e em toda busca de plenitude individual. Jung também os chamou de arquétipos, porque são blocos de comportamentos essenciais de construção na estrutura psíquica. Se algo é arquetípico é típico, próprio, inato no ser humano. Sendo assim formam a base dos padrões de comportamentos instintivos e não aprendidos. Agimos de determinadas formas porque já nascemos com essas tendências.
O que essa explanação nos revela acerca dos relacionamentos?
O quase total, ou o parcial desconhecimento de componentes desse aspecto que vive dentro de cada Ser humano, faz com que haja a necessidade da projeção. A projeção é um mecanismo psíquico que ocorre sempre que um aspecto vital da nossa personalidade, que desconhecemos, é ativado. Quando algo é ativado, vemo-lo fora de nós, como se fizesse parte de outra pessoa e nada tivesse a ver conosco. A projeção é inconsciente, não decidimos projetar algo. Se tivéssemos consciência não haveria projeção. No momento que me torno consciente de uma projeção, ela cessa.
Ao projetar em outro, num parceiro afetivo, temos a possibilidade de descobrir, no caso da mulher, quem é e como age o aspecto masculino que nos acompanha, e, quando a ideia que idealizei do outro se desfaz e me deparo com sua própria face, e o sofrimento, esse terrível professor, vem como visita, mas também para salvar o dia, abre-se a possibilidade de consciência de quem também sou.
Projetamos esses “seres internos”, por milênios, nos deuses e deusas, nos príncipes e princesas dos contos de fadas, nos herois, nas mocinhas e vilãs das novelas e filmes, nos santos e santas das religiões. E é por esse motivo que trabalhamos, na psicologia Junguiana, com mitos, conto de fadas, lendas. Conseguimos encontrar a projeção em segundos, quando descobrimos seus personagens preferidos e os aversivos, seus livros lidos, seu tipo de filme, como são seus amigos, seus ídolos. Projeções podem ser descobertas até pelo nome que você deu ao seu animal de estimação.
Quando a anima e o animus são projetados em outras pessoas, a percepção que temos delas fica profundamente alterada. No caso do animus na mulher é como se ela levasse para o homem a imagem viva de sua alma. Isso tem levado a consequências desastrosas, já que tais realidades vivas dentro de nós mesmos frequentemente tem efeito particularmente forte e irritante. E é por não aceitar aspectos que consideramos irritantes do nosso aspecto oposto que não fazemos esforço para tomar consciência e preferimos acusá-los num parceiro, que pensamos, estarmos dedicando somente amor. Isso ajuda a explicar porque nos sentimos atraídos, algumas vezes por pessoas que em alguns momentos nos parecem mais inimigos do que o amor da nossa vida.
Caso o fenômeno da projeção seja reconhecido, se compreendermos que o que estamos vendo é reflexo dos nossos próprios conteúdos psíquicos, essas imagens da projeção, podem até certo ponto, ser recolocadas dentro de nós. O elemento contrasexual dentro de nós é psicologicamente tão esquivo que escapa à nossa percepção completa, por isso ele é projetado, pelo menos em parte. Pelos estudos Junguianos não pareceu possível que se possa chegar a um conhecimento tão completo de tal realidade a ponto de nunca mais haver projeção.
Importante acrescentar a essa explicação dos Parceiros Invisíveis que nos trazem sofrimento, que sempre que ocorre uma projeção, a pessoa que carrega a imagem projetada ou é muitíssimo valorizada ou muitíssimo subvalorizada. Em ambos os casos, a realidade humana do indivíduo que carrega uma projeção, para nós, fica obscurecida pela imagem projetada. Como consequência, essa pessoa possui um efeito magnético sobre nós, causando em nós atração ou repulsa em alto grau.
E quando uma mulher traz consigo uma poderosa projeção de anima do seu parceiro, à princípio gosta disto, e passa a gozar de um sentimento de força considerável. Uma pessoa que recebe uma imagem psíquica projetada por outra, fica tendo força sobre essa pessoa. Todavia se ela consegue perceber a tempo a situação, evita que experimente dele o sufocamento, pois quando a projeção é positiva, de acordo com o olhar do outro, ele espera que a mulher esteja sempre a sua disposição, dificultando a esta desenvolver, dentro desta relação uma personalidade individual. Sentir prazer na vida com outras pessoas, que não ele, pode ser considerado um ato ofensivo. E esta projeção, que no início pode ter feito a mulher se sentir poderosa, pode ser a mesma que impulsionará o homem a tentar tirar-lhe a vida no final. E desta mesma forma, quando a mulher projeta tão fortemente seu animus no homem, quando da descoberta da realidade humana e falha deste outro, ela pode também tentar destruí-lo, caso não tome consciência que parte são aspectos seus ali manifestados. No caso da mulher, por ter menos força física, a opressão pode vir causando um estrago na vida deste, que consequentemente será tristeza na sua própria.
Esta explanação acerca da projeção é generalizada, mas pode trazer a ideia do que acontece nas relações afetivas e alguns motivos de sofrimento, que aparentemente não tem explicação. Mas, o funcionamento psíquico é feito da mistura de detalhes, o que torna cada situação ímpar. De qualquer forma existe um canal que pode no mínimo amenizar possíveis projeções em nós, e de nós nos outros, que é o autoconhecimento. Em geral, somente quando nos achamos num estado de grande sofrimento ou confusão, é que nos dispomos a arriscar nossas estimadíssimas ideias a respeito daquilo que sentimos ser, quando postos diante da verdade. E, mesmo assim, muitas pessoas preferem viver uma vida sem sentido a ter de passar pelo processo, não raro, desagradável, que as leva ao conhecimento de si próprias.
Ainda assim, temos o livre-arbítrio e cada um pode escolher entre viver o que é de fato vida ou continuar vivendo no limbo, apenas respirando, trabalhando, pagando conta, e sofrendo por amor.
Luciana Sereniski
CRP 12/06912
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