Dinheiro é psicológico
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Aspectos subjetivos que envolvem a administração financeira são determinantes para definir a maior ou menor riqueza de cada um.
A secretária Márcia, lembra que passou um período em sua vida frequentando consultórios médicos. Problemas recorrentes no estômago exigiam um verdadeiro ritual de peregrinação aos especialistas, exames e remédios. Eventualmente uma alergia misteriosa e fortes dores de cabeça também a incomodavam. Ela não sabe bem se a melhora veio em decorrência do tratamento ou de uma guinada radical em sua vida. Após 11 meses desempregada, Márcia conseguiu um bom emprego em uma multinacional. O certo é que, tão logo voltou a trabalhar, em pouco tempo, sentiu-se livre dos problemas de saúde.
Já o comerciário José ganhou com a aposentadoria aos 52 anos, dois problemas crônicos. Descobriu que sofre de diabetes tipo 2 e hipertensão. Avalia que sua retirada do mercado de trabalho lhe trouxe mais perdas que benefícios. Representou uma perda do poder aquisitivo, em pouco tempo percebeu a dificuldade de uma recolocação profissional, pelo menos no trabalho formal, e os diagnósticos médicos fizeram-no se dar conta de que começa a envelhecer. “O pior momento foi no ano passado, quando minha filha estava se preparando para casar e eu não tinha dinheiro sequer para ajuda-la a pagar o vestido. Nessa época fui parar duas vezes no hospital, com crises de hipertensão.”
Psicólogos neste momento percebem a correlação entre a situação financeira e saúde emocional: “cada pessoa tem seu jeito peculiar de lidar com dinheiro, e ao contrário do que a maioria das pessoas espera, ter dinheiro não significa ter mais paz de espírito. A relação entre uma coisa e outra não é tão direta”, afirma a psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira.
Todo mundo quer ter mais dinheiro, mesmo os mais ricos, mas a forma de lidar com os recursos financeiros e seus objetivos diferem de pessoa para pessoa. Nem todos procuram com o dinheiro, ampliar o acesso aos bens de consumo. Há aqueles para quem a preocupação principal é acumular e guardar. Também, é verdade, há quem prefira não ter muito. O dinheiro pode representar uma ameaça, a pessoa se sente não merecedora, ou teme se tornar alvo de inveja alheia. Em geral, não é uma atitude consciente e o indivíduo pode se dar conta disso apenas no consultório psicológico. Não é o que mais ocorre, mas essa postura é mais comum do que se imagina e pode indicar o temor de se diferenciar do grupo, deixando de ocupar um lugar original e desprendido. “Acontece bastante entre jovens de classe média alta. Eles sentem culpa ou vergonha em ostentar, dizem que nem ligam para isso, mas são os pais quem bancam desde o carro à faculdade”.
Existe crise econômica no mundo todo, mesmo com nossos avanços brasileiros ainda passamos por elas, mas no nível pessoal, o argumento serve apenas como desculpa para terceiros, não apazigua o espírito de quem se sente culpado ou punido por ser ele o atingido pelo infortúnio do desemprego, da insolvência financeira ou de ambos. Uma investigação mais profunda na estrutura psicológica dessas pessoas não custa a revelar falta de flexibilidade, de jogo de cintura e, muitas vezes, uma dificuldade para interagir socialmente. O diagnóstico não descarta a possibilidade de existirem chefes difíceis de lidar, cortes ou reestruturação na empresa, mas nesse momento cresce a importância de manter uma permanente rede de relacionamentos profissional. Preservar as pontes de contato com antigos empregadores e colegas de trabalho é uma das formas de cultivar essa habilidade.
Em suma, a falta de trabalho, a situação de desemprego, estão mais ligados a fatores emocionais do que conjunturais. E dentre esses fatores, a qualidade das ligações mantidas com outras pessoas tem papel fundamental. Além dos quesitos básicos que hoje são também computação e inglês, está a capacidade de se envolver perante o obstáculo, e ter mais tolerância à frustração. Ganha pontos quem consegue ficar em pé durante a tempestade.
Há pessoas que trabalham muito, mas não conseguem canalizar energia para as atividades de forma produtiva. O trato com o dinheiro revela a mesma personalidade. Para alguns os gastos não resultam da satisfação de necessidades, são encarados como forma de autoafirmação ou de forma a se identificar com o grupo. A motivação pode ser tanto a impulsividade quanto uma necessidade muito grande de se sentir aceita, e por isso começam a adquirir coisas que o grupo tem. A ambição não é ruim, mas tem que estar compatível com os recursos internos. Se a pessoa não é proativa, não exerce a ação para conseguir o que deseja, isso torna-se um problema. Quando essa é a realidade projetar no outro ou nas condições fora de si mesmo constitui a saída mais recorrente. “Eu não tenho sorte queixam-se essas pessoas”. A baixa tolerância à frustração e a inabilidade em lidar com os limites também cria ideais incompatíveis com a possibilidade real e fomenta comportamentos impulsivos. Nesses casos ter um excelente preparo profissional não ajuda a pessoa a suprir essas deficiências. É mais produtivo mexer na estrutura, na essência da pessoa. Para isso além da conscientização, necessita muito empenho de energia. Baixa autoestima e narcisismo são algumas condições mais notadas em indivíduos com a tendência a gastar demais. Necessidade de autoafirmação e comportamento reativo são característicos de quem tem muita dificuldade de mudar.
O avarento ou mesquinho, por exemplo, tem medo de dividir com o outro, de se arriscar, e tem dificuldade de ser proativo. Mas porque precisa economizar tanto? Que medo esconde? Que energia está segurando? As respostas são individuais. Alguns economizam a vida toda, porque temem precisar de dinheiro por alguma fatalidade no futuro. Não é raro somatizarem alguma doença, acabarem mesmo tendo que gastar toda sua poupança em remédios e outros tratamentos. O hábito de reter também pode vir da infância em resposta a um complexo de inferioridade. São pessoas que normalmente não dividem nada, nem com elas mesmas, afirma a psicóloga Luiza Gubitosi de Medeiros.
Continua... Se a problemática envolvendo a dificuldade de lidar com dinheiro é muito profunda, os resultados têm gravidade equivalente, desânimo profundo...
Matéria da Revista Viver Psicologia(Mente e Cérebro)
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